Domingo, Janeiro 28

Domingo, Janeiro 28

«As sociedades podem mudar as leis, mas devem sempre aplicá-las»

Judice.jpVoto "sim" por razões de fundo, que se não afastam do que vem sendo defendido pelos que, como eu, já há 8 anos votaram nesse sentido. Para além disso, voto "sim" também porque não entendo a lógica e a coerência de quem pretende evitar a despenalização em nome do direito à vida do feto: quem pensa assim deve então logicamente ser contra a despenalização nas situações em que já desde 1984 ocorre. Deve defender a re-penalização nessas situações. O facto de uma Mulher iniciar um processo de gestação após relações sexuais consentidas ou forçadas nada tem de ontologicamente distinto, se se olhar para o resultado dessa relação. A situação actual é, em minha opinião, a única que não faz eticamente sentido.

Também não entendo que se defenda a manutenção de um tipo legal de crime e se não aceite que quem infrinja tal comando etico-juridico seja punido. Sempre fui contra a anomia que destrói as estruturas sociais. As sociedades podem mudar as leis, mas devem sempre aplicá-las enquanto estejam em vigor. Defender que se vote "não" e que se não puna quem pratica abortos é, na minha opinião, contra o Estado de Direito.

Finalmente, quero frisar que todos os que votarão "não" ou "sim", são a favor da vida. Depois de 11 de Fevereiro espero que se mobilizem em conjunto para criar condições cada vez mais favoráveis para que as mulheres não recorram ao aborto. O que implica pedagogia cultural, protecção à mãe solteira, reforço e facilitação das adopções.

Contributo de José Miguel Júdice
para o blogue Sim no Referendo.

Perguntas e respostas

As perguntas de Maria José Nogueira Pinto:

1 - «A primeira pergunta a exigir fortemente resposta é a de quantas mulheres foram julgadas em Portugal? E dessas, quantas foram condenadas? E dessas, quantas cumpriram pena de prisão?»

Resposta aqui abaixo.

2 - Esta não é uma pergunta, mas merece ser respondida: «a ponderação, caso a caso, das concretas circunstâncias em que cada concreta mulher, ela e a sua condição, foi levada a abortar é o único caminho justo que distingue comportamentos assentes em puro laxismo irresponsável, pura leviandade - que numa sociedade responsável não devem merecer compaixão»

A resposta é: mais inquéritos policiais e nenhuma compaixão para essas levianas.


3 – «Nada aflige mais a minha condição feminina como ouvir e ver na televisão homens mediáticos a perorarem, com um conveniente ar e tom compungido, sobre as pobres mulheres que abortam, porque abortar é sempre mau, lembram, um trauma, já se sabe, mas paciência, o que é que se pode fazer? Como se na origem da gravidez não estivesse sempre um homem e na origem do aborto não estivesse quase sempre um homem que se demite, foge e abandona.»

Resposta: perseguir e prender esses homens.

4 - «Porquê apresentar a sua liberalização (afinal a mulher irremediavelmente entregue à sua sorte) como a melhor resposta que a sociedade lhe oferece, apresentada como uma conquista civilizacional?»

Resposta: a "liberalização", aliás legalização, não deixa a mulher irremediavelmente entregue à sua sorte; acompanha-a e permite que não morra de overdose de Citotec ou de infecções uterinas após recorrer em desespero ao aborto clandestino (depois do homem ter fugido, claro); é a melhor solução civilizada para esses casos.

5 - «Vão cortar na prevenção do cancro da mama ou do colo do útero? Vão passar de quatro para oito anos a lista de espera para o tratamento da infertilidade? Vão deixar cair, ainda mais, as disposições da lei do planeamento familiar, cortando consultas, anticonceptivos gratuitos e informação e formação às mulheres? Vão reduzir os médicos de família? Vão desinvestir nos doentes crónicos? Vão fechar os olhos às doenças neuro-degenerativas que afligem crescentemente os idosos? Vão fechar serviços de Saúde dificultando mais o acesso dos cidadãos?»

Resposta: não, não vão. Vão admitir que sejam feitas IVG exclusivamente em estabelecimentos autorizados, segundo regulamentação legal que será, presume-se, posteriormente discutida.

6 - «Como vai o Ministério da Saúde pagar a contratualização de clínicas privadas no caso, já dado como certo pelo ministro, de o SNS não ter capacidade de atendimento?»

Resposta: Em Junho de 2005, o ministro Correia de Campos, propôs essa solução "até à revisão da lei penal", para resolver "o problema do incumprimento da actual lei da IVG" pelos hospitais, radicada na "objecção de consciência por parte dos profissionais dos estabelecimentos públicos".

Se uma grande parte dos profissionais de saúde se recusarem a cumprir a lei, por objecção de consciência, é inevitável que o SNS contratualize clínicas, como aliás já faz para muitos outros tratamentos.

De acordo com Duarte Vilar, director executivo da Associação para o Planeamento da Família (APF), a legislação actual, tal como aquela que venha a ser criada após o referendo ao aborto, precisará de ter uma «regulamentação precisa», nomeadamente no que diz respeito à tabela de preços e aos registos. Actualmente, o custo da realização de uma IVG nas clínicas privadas é «exorbitante» e é preciso impedir que o «aborto continue a ser um negócio à custa das mulheres portuguesas», afirmou à agência Lusa.

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GP-fBD.jpgCreio que é compatível o voto na despenalização e o ser - por pensamentos, palavras e obra - pela cultura da vida em todas as circunstâncias e contra o aborto. O "SIM" à despenalização da interrupção voluntária da gravidez, dentro das dez semanas, é contra o sofrimento das mulheres redobrado com a sua criminalização. Não pode ser confundido com a apologia da cultura da morte, embora haja sempre doidos e doidas para tudo. Frei Bento Domingues, Público, ontem.

Pela vida das mulheres


Não queremos que continuem a morrer mulheres por falta de assistência médica, quando se vêem na situação de desespero que as leva a abortar. Para isso, só há uma solução: legalizar a interrupção voluntária da gravidez, em condições de segurança para a saúde das mulheres. Impedir o aborto clandestino - feito com medicamentos adquiridos sem receita médica, feito por pessoas não qualificadas, feito na ilegalidade.

Votar Não no referendo é caucionar o mercado negro do aborto e aceitar a venda ilícita de medicamentos sem prescrição médica. A clandestinidade é uma ameaça à saúde das mulheres. Os abortos devem ser praticados - e controlados - dentro da lei, para evitar o risco de vida das mulheres. O aborto feito em estabelecimentos de saúde legalmente autorizados permitirá encaminhar as pacientes para consultas de planeamento familiar. E facilitará o diagnóstico das suas causas e o conhecimento da realidade, permitindo definir políticas sociais adequadas.

Outra Igreja

«No seu drama, em lugar de uma punição penal, do que ela precisa sobretudo é de solidariedade. Estão a sociedade e a lei dispostas a apoiar eficazmente a mulher e, concretamente, a grávida? Este apoio tem de traduzir-se em educação, prevenção, aconselhamento, combate à pobreza e exclusão, co-responsabilização do homem, incentivos à família e à natalidade. Também para que despenalização se não confunda com liberalização nem se torne método contraceptivo.»
Padre Anselmo Borges, Diário de Notícias.

A imagem de um Estado «retrógrado, injusto, cruel e desumano»

Excertos da mensagem de Jorge Sampaio ao encontro de eurodeputados pelo "Sim":

«No próximo referendo, o que está em causa é um problema de política criminal do Estado democrático, Ou seja, trata-se, em primeira linha, de m problema de Código Penal, um problema de previsão e definição de crimes e penas.»
«Mas há alguém que no século XXI e na Europa possa conscientemente pretender que, numa sociedade com os nossos valores, a nossa cultura, os nossos princípios e as nossas práticas sociais, uma mulher que interrompa a gravidez, naquelas circunstâncias tão precisas e determinadas é, por esse facto, uma criminosa e que o Estado a deve perseguir criminalmente, a deve julgar, a deve condenar e eventualmente enviar para a prisão. Todavia é isso que o nosso Código Penal, salvaguardadas as excepções, ainda hoje faz. Por isso é que as normas penais actualmente em vigor, nos deixam, a propósito, isolados na Europa a que pertencemos e dão do Estado português a ideia de um Estado retrógrado, injusto, cruel e desumano».



«Não se trata de qualquer discussão complexa e indeterminada sobre o sentido da vida, sobre o início da vida humana, sobre a natureza da vida intra-uterina, sobre a existência ou inexistência de pretensos ou reais conflitos entre direitos humanos e direitos fundamentais».
«Não cabe ao Estado democrático aderir, professar ou defender, a propósito, uma singular ou particular concepção moral, filosófica ou religiosa. Nem, consequentemente, cabe ao Estado democrático inquirir os cidadãos sobre as concepções que cada um sustenta nesse domínio. Portanto e definitivamente por mais que alguns pretendam continuar a confundir, manipular e distorcer sobre o que está em causa neste referendo que fique claro que não é de nada disso que se trata.»
«Nesta consulta popular a única questão a decidir é sobre se, sim ou não uma mulher que interrompe voluntariamente a gravidez nas primeiras 10 semanas e num estabelecimento autorizado deve ou não ser penalizada, ser perseguida, julgada, condenada e eventualmente enviada para a prisão.SIM ou NÃO!»

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Hipercapnia? Hipóxia?*

Quando começa a faltar assunto, a solução é ir ao blogue do "Não". Nunca fallha, pelo menos para algum comic relief.

...resolveu [Maria de Belém Roseira] decretar que os adeptos do "sim" são "tolerantes" e que os do "não", obviamente, são "intolerantes". Fê-lo numa sessão do PS de apelo ao voto na liberalização total do aborto até às dez semanas de gestação. Não sei onde é que estava a dra. Belém em 1984, nem me interessa. Apesar de na altura ter "apenas " 23 anos, não me recordo de ter escutado um pio por parte da sra. dra. quando a lei foi alterada no sentido que está em vigor. João Gonçalves.

Gostaria de começar por confessar aos portugueses e restante comunidade lusófona que aos 7 anos roubei uma bisnaga de leche condensada em Sevilha. Dito isto, não enfio a carapuça de tolerante. Por exemplo, para a pequenina política politiqueira não há grande pachorra, embora todos tenhamos os nossos guilty pleasures. Mas esta citação é também pretexto para um conselho à Sun Tzu: quem durante uma discussão recorre ao mergulho cronológico de grande profundidade deve ter presente que esbarrará sempre com uma qualquer contradição do Dr. Paulo Portas. Feito o aviso, remato pela positiva com uma sugestão: snorkeling em Saint John, nas Ilhas Virgens. As paisagens aquáticas são sublimes, é tudo mais à tona de água e está em território americano, o que - sem fulanizar - pode ser acidentalmente oportuno.

* Numa lógica de diversificação da acusação que conserva a primeira letra da palavra mais batida.

AssimNão, um manancial de tiros no pé

De certeza que todos vós, tal como eu, se fartaram de ler textos no blog-mãe do AssimNão (os autores são quase todos os mesmos, por isso faz sentido falar em blog-mãe) em que mandavam à cara dos defensores do SIM o trabalho (meritório, sem dúvida) feito por diversas associações com o objectivo de pôr fim à prática do aborto. Nomes como a Ajuda de Berço, Ajuda de mãe, etc, eram sistematicamente invocados como o caminho ideal no combate ao aborto. Os autores dos textos que me inspiraram este post recusavam-se a entender - e chegavam mesmo ao insulto - quem lhes dizia que não era com fraldas e biberões que se alterava o que quer que fosse da prática do aborto. Agora apresentam números 62% dos abortos realizados em países europeus com legislação semelhante à pretendida em Portugal, são realizados por mulheres com rendimentos familiares superiores a 65.000 euros por ano. (a bold e tudo) que só vêm dar razão a todos quantos, durante semanas, lhes tentaram fazer ver que o discurso da caridadezinha não faz qualquer sentido. Porque não é isso que está em causa!

GP-SV.jpgSe tantas mulheres correram o risco de uma pesada condenação judicial, se tantos médicos foram contra a lei e explicaram porquê, foi porque a opinião pública já percebeu como é iníqua uma lei que nunca atingiu os objectivos que dizia perseguir, o de impedir os abortos. Mas, para além da ineficácia, há outras fortes razões para mudar a nossa legislação. Razões tão sérias que são na realidade bem poucos os que desejam a sua manutenção ou que ainda acham a sua aplicação possível. A primeira razão é a desigualdade insuportável das mulheres frente a uma gravidez indesejada. Tal desigualdade resulta evidente não só das estatísticas judiciais — são sempre as mulheres de meios mais modestos que estão envolvidas — mas também daquilo que todos podemos ver hoje sem margem para dúvidas: para quem tem meios, a angústia e a solidão são muito menos difíceis. O sofrimento — porque se trata sempre de um sofrimento para qualquer mulher — é suavizado pela segurança que oferece uma clínica em França ou no estrangeiro. Para as outras, que não tiveram acesso a estas soluções ilegais mas apesar de tudo mais seguras, abrem-se então as soluções bem conhecidas e cuja mera evocação é dificilmente suportável. Elas acabam por conduzir essas mulheres aos serviços hospitalares, permanentemente ocupados por quem recorreu a tais procedimentos de mutilação. Algumas hão-de pagar com a vida este gesto de desespero, muitas outras serão atingidas por uma esterilidade ou uma deficiência que marcará todo o resto da sua vida. É uma injustiça insuportável que a vida, a saúde, a futura maternidade de uma mulher estejam assim ligadas ao seu nível socioprofissional. A maioria dos cidadãos sabe-o. Não podemos continuar a tolerá-lo porque o sentido do esforço social dos nossos dias é reduzir as desigualdades perante o sofrimento e a adversidade.
Excerto do famoso discurso de Simone Veil (1974) [ver vídeo]

Homens que "SIM"

Os Marcelos e os Césares que convictamente menorizam as mulheres, retirando-lhes a capacidade de decisão sobre uma interrupção voluntária da gravidez (ao mesmo tempo que se comprazem com a costumeira clandestinidade) como que brandem o slogan: "Mulher do meu país, eu sei o melhor para ti". Ora, este tipo de argumentação paternalista/caridosa cumpre a função de instigar muitos homens provocando o melhor dos seus "instintos feministas".

Vi em tempos uma T-shirt que muito me cativou. Envergava-a, justa, uma belíssima mulher. Tinha uns dizeres que não decifrei à primeira. Mas, curioso, insisti. De facto, é interessante notar como surgiu há uns anos a moda de se exibirem frases junto ao peito. Essa moda merece-me algumas reflexões. Primeiro, as frases escritas no algodão (ou Lycra) como que convidam o olhar a demorar-se nos contornos do corpo, uma espécie de dois em um, uma deliciosa forma mostrar, literalmente, como é possível dar corpo ao texto. Em segundo lugar, sugere-se a ideia de que as palavras que nos são queridas podem caminhar junto ao coração, sede simbólica dos afectos (lamechas as it might be). Finalmente, somos brindados com pretextos para conversas, alguém que assim "veste" determinadas afirmações acicata, frequentemente, a curiosidade de quem as lê, seja na rua, seja nos espaços de proximidade. Uma vez interpelei um tipo cuja T-shirt dizia solene: "Eu Acredito". Adivinhei-o um místico. Enganei-me. Revelou-me a sua convicção de que o Benfica seria campeão naquela mesma época. Mau exemplo. Mas voltemos à tal T-shirt que tanto me fascinou.

As letras não estavam em "terreno" liso, facto. Ainda assim, por sobre os desígnios do corpo sinuoso daquela jovem mulher, consegui ler "This is what a feminist looks like ". Nem mais, "É este o aspecto de uma feminista", assim li, numa grosseira tradução simultânea.

Ora bem. Esta afirmação, que me convidou a apreciar a aparência daquela mulher, e, mais, a vê-la enquanto feminista, representa mais do que pode ver a gramática de desejo de um olhar comtemplativo.

Aquela T-shirt tem um interessante efeito político. Usada por várias pessoas, com diferentes aparências físicas, representa as muitas incorporações possíveis do feminismo. E, assim, à cabeça, a afirmação por ela exibida vem desconstruir muitos dos preconceitos que ainda prevalecem. Sobretudo um: o imaginário social que a sociedade tem de uma feminista. Falo, claro, do estereótipo de uma mulher amarga, que detesta homens, avessa à estética corporal.

Portanto, aquela feminista jovem, fresca, envergando um T-shirt justa, passa uma interessante mensagem. Isto é, a luta contra as muitas formas de discriminação a que as mulheres estão sujeitas é e deve ser interpretada por uma diversidade de actores sociais. Chegamos, pois, ao ponto mais interessante: de Tanto Marcelo e César das Neves, eu chegeui a um ponto em que quero aquela T-shirt para mim! Está bem que o impacto visual nas minhas modestas carnes será singelo, mas, já que falamos de quebrar estereótipos, é essencial o significado trazido por homens que se assumam como feministas. É fundamental que se perceba que o feminismo não é, de modo nenhum, uma luta entre os sexos, é, isso sim, uma luta pela justiça social que a todas e todos deve mobilizar.

No entanto, a defesa que aqui faço de uma pluralidade de intérpretes do feminismo pode correr o risco de soar, no caso dos homens que assumem essa bandeira, ao paternalismo de alguém que estende a mão a quem não tem meios para se defender. Nada mais errado. Primeiro, porque o empenho pela justiça social precisa de gente em todas as frentes. Segundo, porque ser feminista também implica reconhecer que os valores que sustentam a opressão das mulheres são os mesmos que, mais subtilmente, oprimem os homens.

O patriarcado é um sistema de dominação que não apenas sustenta a inferiorização das mulheres; ele define de modo estreito os papéis sociais que homens e mulheres devem representar. "Ser homem", não é um dado natural, como nos lembra o conselho que todos já ouvimos: "faz-te homem". Ser homem, pelo modelo patriarcal, dominante, implica obedecer a muitas regras, implica contenção nas emoções, implica discrição nos afectos, implica demonstrações de virilidade, favorece a ideia de mulher como um objecto de predação e conquista, e, ao mesmo tempo que solicita currículo sexual, aconselha ao envolvimento com mulheres castas e "sem passado". Portanto, ser feminista também é isto: recusar formas de tutela sobre as mulheres, flagrantemente actuais, sabendo que tanta circulação de menosprezo, a nós homens, também diminui e ofende.

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Uma liberdade condicional para as mulheres portuguesas?

Os direitos das mulheres garantidos na legislação portuguesa têm vindo a acompanhar, desde o 25 de Abril, uma tendência semelhante à dos restantes países europeus. A conquista do sufrágio universal, o direito a não se ser discriminada por se ser mulher, o direito ao planeamento familiar e à maternidade consciente, são alguns dos marcos da conquista de condições de liberdade e de igualdade.

Às mulheres portuguesas, falta um direito essencial. O direito a poderem decidir, sem terem que recorrer a um médico para assinar um atestado, se podem interromper uma gravidez, até às 10 semanas, em condições de saúde e higiene, dignas e decentes. Negarem-lhes isso e quererem manter uma lei que diz as mulheres portuguesas podem ir presas (por mais projectos, boas vontades e conversetas o que diz na lei é que se pode ir presa até 3 anos por aborto) é retirarem-lhes toda a igualdade e substituírem a sua auto-determinação por uma liberdade condicional. Queremos mesmo manter as mulheres portuguesas nesta situação? Queremos continuar a sentir vergonha por vivermos num país que humilha assim as mulheres, ao contrário do resto da Europa?

Um "cúmplice"?, "haverá"?, "na trama"? - Now I'm Inspector Mafalda and I must ask that nobody leave the room.

"O que me suscita algumas questões: será esta história verdadeira? Como conseguiu a criança adquirir o composto químico? Haverá algum cúmplice na trama? Terá havido negligência de algum farmacêutico? Terá Ana conseguido adquirir o medicamento com a conivência silenciosa de alguém que, a pretexto da ajuda, se esconde numa rede informática, fornecendo meios para a prática abortiva? ", Mafalda, no Blogue do Não, a contactar com o país.

Sofrer ou não sofrer



Fazer um aborto é sempre uma escolha pelo sofrimento menor. Apesar da dificuldade que advém da sua clandestinidade e dos riscos associados, e das dores físicas e psicológicas, as mulheres escolhem a solução possível, se a perspectiva de maternidade lhes apresenta outros sacrifícios, para si e para o futuro do embrião.

Afinal, é com a penalização suplementar da clandestinidade que os do Não pretendem desincentivar o aborto. O que querem é aumentar o sofrimento e a culpa. Mas, como diz Frei Bento Domingues (no Público de 28-01-2007), "enquanto ter filhos for um pesadelo, não adianta muito pensar no aumento da natalidade. O sacrifício pelo sacrifício é uma doença".

De falhas de ética e défices de ciência - II

Na falta de argumentos objectivos para justificarem serem criminosas as mulheres que optam por uma IVG, os cruzados pelo NÃO apostam assim numa dramatização demagógica e falaciosa da respectiva campanha, dramatização de que o primeiro cartaz, produzido em quantidades massivas e afixado profusamente pelo menos em Lisboa, é um exemplo acabado.

O cartaz, que interroga em letras garrafais «Abortar por opção quando já bate um coração?» é uma ilustração perfeita de um apelo à emoção primário que remete subliminarmente para um paradigma mariano da mulher e para arcaicas e anacrónicas concepções cardiocêntricas do homem.

Isto é, o cartaz que suplica uma resposta negativa do eleitorado, subentende que as mulheres são incapazes de opções morais e como tal deve ser a nossa sociedade (ainda) patriarcal, mais concretamente a classe médica, a única detentora da decisão sobre a interrupção de uma gravidez.

Os que concordam com a IVG nos casos contemplados na lei actual, concordam igualmente que o direito inalienável à vida se refere apenas a pessoas e não a todas as formas biológicas da vida humana. Mas muitos são levados a julgamentos morais negativos das mulheres que recorrem a uma IVG pela manipulação capciosa da palavra «vida» por parte dos activistas pró-penalização.

A falha de ética destes explora o défice de ciência da população remetendo o ser do homem a uma visão cardiocêntrica, completamente obsoleta como tive ocasião de abordar num post noutro blog onde colaboro.

Isto é, o batimento do coração nem sequer traça a fronteira entre a vida e morte. De facto, a morte clínica é decretada actualmente pela ausência de actividade cerebral não pela morte do sistema cardiovascular. É a morte cerebral que indica que uma pessoa morreu, não a «morte» cardíaca. Assim, o coração vivo de um ser biológico que já não consideramos uma pessoa pode ser transplantado sem alterar a individualidade de quem o recebe, sem lhe alterar o «ser» que nos distingue dos restantes animais.

Se não é no coração que encontramos o ser do Homem, se é a vitalidade do sistema nervoso central que delimita a fronteira entre vida e morte de uma pessoa, porque razão os cruzados contra a possibilidade de opção pela mulher, que insistem em não ter motivação religiosa a sua posição pró-penalização, recorrem à mitologia cristã e não à ciência no primeiro cartaz que debitam?

Não é o batimento do coração indicador que a ciência utilize para decretar a existência de uma pessoa. No embrião/feto até às 10 semanas, sem cérebro formado, o coração bate porque, à semelhança do corpo biológico ligado à máquina num hospital, é sustentado pela «máquina» mulher.

Respeita-se a diversidade de posições filosóficas, morais ou religiosas sobre este tema. Mas num estado moderno todo e qualquer ramo do Direito deve estar livre de concepções religiosas ou morais, ou seja, a lei não deve penalizar algo apenas porque considerado «imoral», mesmo que pela maioria da população. É moralmente errado o adultério mas apenas nas teocracias mais abomináveis as adúlteras - e apenas elas - são punidas pelo seu pecado!

No referendo de 11 de Fevereiro decide-se uma questão de Direito, não se julga a moralidade da opção de uma mulher por uma IVG. A moral aplica-se nas nossas decisões individuais; apenas numa teocracia ou num regime totalitário a liberdade de consciência é criminalizada e a moral é imposta via Direito!

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A interrupção voluntária do diálogo

«Somos católicos e assistimos, inquietos e perplexos, à reiteração de uma lógica de confronto crispado por parte de sectores da Igreja Católica – incluindo os nossos bispos – no debate suscitado pelo referendo sobre a despenalização do aborto. Frustrando as melhores expectativas criadas pelas declarações equilibradas de D. José Policarpo, a interrupção voluntária do diálogo volta a ser a linha oficial. E o radicalismo vai ao ponto de interrogar a legitimidade ao Estado democrático para legislar nesta matéria. É um mau serviço que se presta à causa de uma Igreja aberta ao mundo.

A verdade é que a despenalização do aborto não opõe crentes a não crentes. Nem adeptos da vida a adeptos da morte. Não é contraditório afirmarmo-nos convictamente «pela vida» e sermos simultaneamente favoráveis à despenalização do aborto. Porque sendo um mal, não desejável por ninguém, o recurso ao aborto não pode também ser encarado como algo simplesmente leviano e fácil. As situações em que essa alternativa se coloca são sempre dilemáticas, com um confronto intensíssimo entre valores, direitos, impossibilidades e constrangimentos, vários e poderosos, especialmente para as mulheres. Ora, mesmo quando, para quem é crente, a resposta concreta a um tal dilema possa ser tida como um pecado, manda a estima pelo pluralismo que se repudie por inteiro qualquer tutela criminal sobre juízos morais particulares, por ser contrária ao que há de mais essencial numa sociedade democrática.

Por isso, não nos revemos no carácter categórico e absoluto com que alguns defendem a vida nesta questão, dela desdenhando em situações concretas de todos os dias: a pobreza extrema é tolerada como "inevitável", a pena de morte "eventualmente aceitável", o racismo e a xenofobia é discurso vertido até nos altares. A Igreja Católica insiste em dar razões para ser vista como bem mais afirmativa "nesta" defesa da vida do que nos combates por outras políticas da vida como as do emprego, do ambiente, da habitação ou da segurança social. Além de que, no caso do aborto, a defesa da vida deve sempre ser formulada no plural. Estão em questão as vidas de pelo menos três pessoas e não apenas a de uma. Por isso, quando procuramos – como recomenda um raciocínio moral coerente mas simultaneamente atento à vida concreta das pessoas – estabelecer uma hierarquia de valores e de princípios, ela nem sempre é fácil ou mesmo clara e não será, seguramente, única e universal. Nem o argumento de que a vida do feto é a mais vulnerável e indefesa das que se jogam na possibilidade de uma interrupção voluntária da gravidez pode ser invocado de forma categórica e sem quaisquer dúvidas.

É de mulheres e de homens que se trata neste debate. E também aqui, o esvaziamento do discursos de muitos católicos e sectores da Igreja relativamente aos sujeitos envolvidos nos dilemas de uma gravidez omite a recorrente posição de isolamento, fragilidade ou subalternização das mulheres, para quem o problema poderá ser absoluto e incontornável, e reproduz a distância que sustenta a sobranceria e condescendência moral de muitos homens (mesmo que pais). A invocação do direito da mulher a decidir sobre o seu corpo é um argumento que, bramido isoladamente, corre o risco de reproduzir de uma outra forma a tradicional atitude de desresponsabilização de grande parte dos homens perante as dificuldades com que se confrontam as mulheres na maternidade e no cuidado de uma nova vida. A defesa da autonomia da mulher, da sua plena liberdade e adultez é indiscutível e será sempre tanto mais legítima e forte quanto reconhecer e atribuir ao homem os deveres e os direitos que ele tem na paternidade. Ignorá-lo é mais uma vez descarregar apenas sobre os ombros das mulheres a dramática responsabilidade de decidir sobre o que é verdadeiramente difícil. A Igreja tem, neste aspecto particular, uma responsabilidade maior. A suas preocupações fundamentais com a família exigem uma reflexão igualmente apurada sobre as responsabilidades conjuntas de mulheres e homens na concepção e cuidado da vida.

Infelizmente, pelas piores razões, o discurso oficial da Igreja está muito fragilizado para a defesa de abordagens à vida sexual e familiar que acautelem o recurso ao aborto. A moral sexual oficial da Igreja – e, em concreto, em matéria de contracepção – fecha todas as alternativas salvo a da castidade sacrificial. É um discurso que não contribui, de modo algum, para a defesa de uma intervenção prioritariamente preventiva, em que ao Estado fosse exigível um sistemático e eficaz serviço de aconselhamento e assistência no domínio do planeamento familiar e da vida sexual. Pelo contrário, o fechamento dos mais altos responsáveis da Igreja a uma discussão mais séria e aberta sobre a vivência concreta da sexualidade denuncia um persistente autismo, que ignora a sensibilidade, a experiência, o pensamento e a vida das mulheres e dos homens de hoje.

Em síntese, o recurso ao aborto é sempre, em última análise, motivo de um grave dilema moral. E é nessas circunstâncias de extrema dificuldade que achamos ter mais sentido a confiança dos cristãos na capacidade de discernimento de todos os seres humanos, em consciência, sobre os caminhos da vida em abundância querida por Deus para todos e para todas. Optar por uma reiteração de princípios universais, como o do respeito fundamental pela vida, confundindo-os com normas e regras de ordenação concreta das vidas é, além do mais, optar por uma posição paternalista, de imposição e vigilância normativas, e suspeitar de uma postura fraternal, de confiança e solidariedade, com os que, de forma autónoma, procuram discernir as opções mais justas. Partir para este debate com a certeza de que a despenalização do aborto é porta aberta para a sua banalização é abdicar de acreditar nas pessoas, em todas as pessoas, e na sua capacidade de fazer juízos morais difíceis. Não é essa abdicação que se espera de homens e mulheres de fé.»

Texto de Ana Berta Sousa, José Manuel Pureza, Marta Parada, Miguel Marujo e Paula Abreu, publicado no Público, a 21 de Dezembro de 2006.

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Publicidade institucional

Hoje, 15h00, Lisboa, Hotel Altis
Sessão pública com eurodeputados de todos os países da UE e das várias sensibilidades políticas a favor da despenalização do aborto.

Organizado por todos os movimentos pelo SIM

Convocatória

«O Partido Nacional Renovador convida todos os seus militantes, apoiantes, e simpatizantes a participar na "Caminhada pela Vida", em Lisboa no dia 28 de Janeiro, com início às 14h na Maternidade Alfredo da Costa. O ponto de encontro dos Nacionalistas é junto ao Hotel Sheraton.» (Site do PNR)

De falhas de ética e défices de ciência - I

A propósito dos incidentes provocados numa cidadezinha do Texas, apropriadamente chamada Corpus Christi, por ocasião de um referendo que pretendia adicionar à lei local a frase «a vida começa com a concepção», escrevia há 16 anos o meu amigo Carlos Fiolhais

«O autor destas linhas vai em crer que se se fizesse um inquérito sumário na Assembleia da República sobre o modo como é geneticamente determinado o sexo de um filho ou o que é uma morte cerebral a resposta seria um espelho do que é a realidade do país: ignorância pura e simples dos factos biológicos mais simples. É, evidentemente, imprescindível a ética. Mas, uma ética sem ciência é uma ética analfabeta. (...)

A falha de ética ou o défice de ciência, podem, juntas ou separadas, vir-nos a custar o futuro

Na minha opinião, dia 11 de Fevereiro decide-se também o futuro de Portugal, o modelo de sociedade que queremos construir. Porque uma lei que reflecte claramente falta de confiança na mulher, que não a considera competente para tomar decisões, corresponde a uma sociedade que não se coaduna com os valores que supostamente deveriam ser os nossos, valores assentes nos direitos do Homem (capitalizado).

Para além de implicações civilizacionais e de cidadania que o resultado acarretará, o que vai ser referendado é simplesmente a despenalização da IVG até às 10 semanas por opção da mulher e quaisquer discussões ontológicas sobre o embrião/feto deveriam estar excluídas já que, aparentemente, os defensores do NÃO se declaram tão satisfeitos com a lei actual que não a querem ver alterada.

Isto é, já foi respondido em 1984, aquando da introdução da primeira versão desta lei, que Portugal não considera ser uma pessoa o embrião ou feto abortados por opção médica. De facto, a não ser que alguém tenha introduzido a pena de morte por razões eugénicas quando eu estava distraída, a actual lei – que muito poucos contestam e ainda menos o fazem abertamente - indica preto no branco que o país não confere o estatuto de pessoa ao embrião/feto até às 24 semanas (prazo até que se pode realizar um aborto por risco de malformação do feto)!

Assim, para além de divagações semânticas sobre a pergunta em si, os defensores da penalização da mulher não apresentam qualquer argumentação ética ou de direito sustentável. Não ouvi a algum activista do NÃO uma única razão objectiva para considerarem criminosas as mulheres que optarem por algo que não é crime se realizado por opção médica.

Os argumentos intelectualmente desonestos que esgrimem, como sejam os custos para o sistema nacional de saúde, a lista de espera das oftalmologias, os Nokia e afins, são facilmente rebatíveis. Mas, na falta de argumentação objectiva, os activistas pelo NÃO exploram o défice de ciência da população menos esclarecida para manipular subjectivamente consciências bem intencionadas.

Assim, falaciosamente, matraqueiam ad nauseam que o voto SIM corresponde à legalização de um homicídio. Ululam que uma IVG até às 10 semanas por opção da mulher mata desprotegidos, indefesos e inocentes «bébés» sem nunca explicarem por que não consideram serem igualmente desprotegidos, indefesos e inocentes os «bébés» fruto de uma violação. Que a lei actual que não querem ver alterada permite o abortamento até às 16 semanas.

Assim como não explicam porque razão não é um desprotegido, indefeso e inocente «bébé» um feto de 24 semanas com trissomia 21! Aparentemente para os pró-penalização apenas os embriões/fetos numa gravidez precoce interrompida por opção da mulher adquirem o estatuto de «zézinhos», são «bébés» cujo coração bate e cujas imagens prodigamente exibem enquanto bramem irmos legalizar o mortícinio de inocentes - argumentário único e recursivo nos debates a que já fui.

Numa população pouco esclarecida cientificamente, este apelo à emoção em que os pró-penalização assentam exclusivamente a argumentação encontra eco e perturba muitos, religiosos ou não!

E não são necessários quaisquer dotes prescientes para prever que o tempo de antena do NÃO vai assentar exclusivamente na exploração e manipulação das emoções nacionais, com transmissões profusas de imagens e filmes – com ou sem fetos de silicone – sem alguma vez abordarem racionalmente o tema ou admitirem que não é sobre a natureza do embrião/feto que o referendo ausculta os portugueses!

Este referendo trata da despenalização da IVG até às 10 semanas, por opção da mulher, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado. Não é um referendo ao estatuto ontológico do embrião! Esse foi determinado em 1984 pela introdução da lei actual: Portugal considera que o embrião/feto é uma forma de vida humana mas não é uma pessoa!

Mas para que a falha de ética dos activistas pró-penalização e o défice de ciência da população em geral não sucedam em custar-nos o futuro, urge responder, de forma simples e com credibilidade científica, às falácias do NÃO!

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A angústia da mulher



Em França, «A lei distingue duas situações: a IVG, praticada antes do fim da décima segunda semana de gravidez, em caso de angústia [ aflição, infortúnio, desgraça] maternal; a IVG por motivos médicos (estado patológico maternal ou fetal).
1 - IVG pedida em situação de angústia. A mulher grávida cujo estado a coloque em situação de angústia pode pedir a um médico para interromper a sua gravidez. A mulher é a única juiz da sua situação de angústia. O médico deve, desde a primeira consulta, informar a mulher dos métodos médicos e cirúrgicos de interrupção de gravidez, dos riscos e efeitos secundários potenciais, entregar um guia e uma lista de centros de aconselhamento e planeamento familiar e de estabelecimentos onde são praticadas as intervenções. Ao fim de um prazo de reflexão de uma semana, a mulher confirma por escrito o seu pedido.(...) »
Do código deontológico dos médicos publicado em Médicos pela Escolha.

(imagem de Gato Fedorento no Prós e Contras )

A livre decisão

"A livre decisão da mulher por nenhuma causa justificativa": "um incómodo momentâneo, uma mudança de residência, uma depressão ligeira, um estado de alma inconstante ".

O professor não é só paternalista, é sobretudo ofensivo para todas as mulheres que já passaram por uma situação aborto. Confronte-se isto com as razões apuradas pelo estudo da APF:



E leiam-se algumas razões individuais: http://www.euvotosim.org/eu-abortei.