Domingo, Fevereiro 11

Domingo, Fevereiro 11

Parabéns a todos


Calhou. Aqui há uns anos, aquando da viagem do famoso barco do aborto até às proximidades da nossa costa, apareci na televisão a dar a cara para defender a despenalização. Essa passagem televisiva, ainda que efémera, operou um efeito interessante no meu círculo de relações: uma espécie de mediatismo de proximidade. Dei por mim a ser abordado por pessoas amigas, conhecidas e vagamente conhecidas: queriam-me contar as suas experiências com a questão do aborto (clandestino, entenda-se). O mais curioso, sem dúvida, foram os testemunhos de mulheres mais velhas -- aquelas figuras maternais que orlam à minha volta desde a infância --, mulheres que, por qualquer preconceito, imaginava biograficamente afastadas destas questões.

Saber que nas suas juventudes ou em algum momento das suas vidas tinham recorrido ao aborto foi para mim chapada sociológica: tal é a dimensão do fenómeno do aborto clandestino que necessariamente toca pessoas que nos são próximas.
Imaginem então, por ter aparecido uns segundos na televisão a brandir a mudança da lei, fui feito confidente de histórias raramente contadas. Qual inesperada elicitação antropológica, foi o insólito meio para aceder a algo dos dramas por que passaram gerações e gerações de mulheres em Portugal. São mulheres que amiúde ficam caladas quando se fala publicamente em aborto, talvez querendo afastar das bocas de todos a má memória de uma dor tão privada. Para elas, este dia, onze de Fevereiro de dois mil e sete , chega tarde, mas chega. As memórias de sofrimento são mais suportáveis quando socialmente as podemos partilhar como injustas. A minha homenagem a todas essas mulheres, para as que doravante não mais terão que passar pelo aborto clandestino. Parabéns a todos nós.

(recolher)

S I M


A maior vitória de hoje é acreditar que, com este resultado, vai ser possível devolver este assunto à consciência individual de cada um.

O problema de não saber perder


Eu sei que a derrota custa muito, mas nada justifica que a Mafalda, do BdN, tenha escrito o post mais infame, mentiroso e desonesto de que tenho memória.


59,25


Eu só pedia uma vitória clara, mas 59,25% (2.238.053 votos) é mais do que uma vitória clara. É a prova de que o eleitorado amadureceu desde 1998 e se sintonizou com os valores da modernidade europeia. Agora é imperioso legislar o mais rapidamente possível para acabar, de vez, com o mercado abjecto do aborto clandestino.
Parabéns, eleitores portugueses. Emendámos hoje, com dignidade, o desastre de há nove anos.

Com outros olhos


Havia muito boas razões para o fazer. Mas o que realmente me decidiu a participar nesta campanha foi o olhar espantado, sinceramente perplexo, pedindo explicações, das minhas alunas franco-portuguesas em relação à situação da interrupção voluntária da gravidez em Portugal. Eu tinha-lhes falado nas aulas do sistema político e constitucional português (incluindo a figura do referendo). Num momento mais avançado do semestre, falei-lhes da situação social no pós 25 de Abril e insisti, apoiando-me em números, na enorme evolução da situação das mulheres em Portugal, em termos de escolarização e acesso à universidade e em termos da participação no mercado de trabalho. Mas, apesar das estatísticas, tinha ficado ali, pelo menos no meu íntimo, um nó cego, uma contradição inexplicável entre indicadores sociais "progressistas", comparáveis aos dos países escandinavos em certos aspectos, e a persistência do aborto clandestino e de uma lei que criminalizava as mulheres. Uma contradição que nenhuma explicação sociológica, ou antropológica, ou outra qualquer, conseguia resolver. E talvez fosse isso que se reflectia, penso agora retrospectivamente, no tal olhar espantado das minhas alunas.

Agora a contradição, pelo menos esta, começou a ser resolvida. É altura de passar a encarar os olhos das minhas alunas com outros olhos.

Finalmente!


FOI DESTA!

PARABÉNS!!!


Acabou Badajoz, bem-vindos ao século XXI!

Tiago Barbosa Ribeiro

Portugal entra no Séc. XXI


Aqueles que têm uma visão confessional do direito e acham que as penas servem para impor as suas convicções morais sofreram hoje um duro golpe.

Por um lado, as pessoas sentem-se hoje mais capazes de tomar posição sobre a despenalização da IVG e, por outro lado, pronunciaram-se com uma maioria muito clara a favor do "Sim".

Vamos legislar!