Domingo, Janeiro 21

Domingo, Janeiro 21

Boa Noite

Estou aqui porque sou a favor da aniquilação voluntária da frase que encabeça este blogue do conteúdo daquele livro da Almedina cujo o nome momentaneamente me escapa. Como se ilustra neste magnífico post ou, em alternativa, como é auto-evidente para quem também vive fora do eixo Loja das Meias-Atrium Saldanha, a lei que se procura alterar com este referendo é tão aceite pela sociedade portuguesa que quase nem nos tribunais consegue ser lei, e com base nela só é arguida quem teve o quádruplo azar de lhe correr mal o aborto. Pessoalmente, nada tenho contra a existência de leis da República que ninguém cumpre. Só me aborrece que por conta da imaculada e respeitosíssima consciência metafísica de uns quantos se ofereça às artes de uma população de talhantes quem tem menos cabeça, menos dinheiro, ou seja simplesmente uma má pessoa. Na absurda complexidade desta questão, radicalmente imune a tudo o que vi escrito até hoje (Tolstoy, Ronald Dworkin e Rodrigo Moita de Deus incluidos), nunca encontrei um único argumento que me impedisse de achar que se deva começar, primeiro e antes que tudo, por fazer o possivel e o impossivel para se evitar que até às dez semanas alguém aborte fora de um hospital e da proximidade de um médico.

Abusos de autoridade (II)

"Como médico e como professor de Medicina, pasmo, atónito, ao ver que há médicos pelo Sim! Onde aprenderam, ou verdadeiramente não aprenderam, a Embriologia Humana? Que Escolas Médicas frequentarem que não lhes ensinaram os factos científicos sobre o momento do começo duma vida humana? Como não aprenderam que a vida humana entra a desenvolver-se num continuum, sem interrupções nem saltos? Mas isto é verdade? Digam-me os seus nomes, senhores meus colegas!
Que vida existiu antes da data que arbitrariamente se escolhe para seu começo? Amiba...? Peixe...? Réptil...? Ainda se crê que a ontogenia repete a filogenia, como o fez Haeckel no século XIX?"

Levi Guerra, Professor da Faculdade de Medicina do Porto
in Voz Portucalense, via Blogue do não.


Nos dias que correm, parece que o pobre do Haeckel é pau para toda a obra. Já sabia que os criacionistas o usavam para desacreditar tanto os cientistas - Haeckel forjou alguns dos seus resultados - como, numa interpretação livre do método indutivo, a ciência em geral - a teoria da recapitulação tem um suporte teórico dificilmente conciliável com a moderna teoria da evolução e nenhuma validação empírica. Levi Guerra dá outro spin, recordando Haeckel para ridicularizar os fracos conhecimentos de embriologia dos médicos que estão pelo "Sim".
Limito-me aqui a prestar um esclarecimento ao Professor Guerra, pensando sobretudo nos seus alunos (não pretendendo sobrecarregar os extensos curricula da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, sugiro apenas um artigozinho, podendo este outro título ser de leitura estival). A teoria da recapitulação defendia que durante o desenvolvimento embrionário (a ontogenia) o organismo passava por uma série de estádios que correspondiam às formas adultas das espécies que estão na sua linha evolutiva (a filogenia) ou, para sermos rigorosos, aos ancestrais comuns que a espécie partilha com espécies sucessivamente mais próximas. Na forma de lei, dá isto: a ontogenia recapitula a ontogenia. Exemplificando, dá isto: como o homem é um mamífero que tem antepassados comuns e sucessivamente mais recentes com os peixes, os anfíbios e os répteis, durante o seu desenvolvimento há uma série de estádios em que se parece com um peixe adulto, depois com um anfíbio adulto e por fim com um réptil adulto. Na realidade não é assim, mas a lei apenas precisa de uma afinação: a ontogenia repete os estádios de desenvolvimento embrionário dos antepassados evolutivos e não as suas formas adultas. Esta reformulação não é uma nova lei, sendo de resto da autoria de um cientista que a formulou antes de Haeckel, von Baer. A(s) lei(s) de von Baer faz(em) todo o sentido à luz do que hoje sabemos sobre os programas genéticos e, por isso, não suprpreende que tivesse(m) agradado tanto a Darwin, como não choca dizer, ainda hoje, que o nosso desenvolvimento embrionário é um filme acelerado da nossa história evolutiva. Mas pergunta o leitor, já algo enervado: o que é que isto interessa para a definição da vida humana? Não interessa nada. Estivesse Haeckel certo e não Von Baer, o problema do instante fundador e a discussão contínuo versus etapas permaneceria. De resto, até ao dia em que apareça uma maquineta capaz de detectar a colonização do corpo pela alma humana (ou o pulsar desta desde que o espermatozóide penetra o óvulo), não vamos sair daqui. Assim se conclui que o mau da fita neste episódio é o Professor Levi Guerra, com a sua visão sectária da Embriologia. E em jeito de estocada final, para comprometer o Professor ainda mais (mas agora é um gesto rasteiro), ilustro o post com um belo desenho de Haeckel, reabilitando-o in extremis.

A posição do Professor Marcelo

(desculpem, esta posta vem com maiúsculas, a culpa é do word, estúpido do programa)

O professou Marcelo tem, diz ele (acabou de dizer na RTP), uma posição heterodoxa. Um NÃO heterodoxo, muito especial, verdadeiramente extraordinário. E porquê, explica ele? Porque ele é 'contra a penalização da mulher. Às dez semanas, aos cinco meses, aos oito meses.'
Se a pergunta fosse, portanto, 'está de acordo que a mulher que aborta – no limite, até aos 9 meses – deixe de ser criminalizada?', o professor Marcelo responderia SIM, concordo.
Mas, explica o professor, o que a pergunta do referendo pergunta é 'muito mais que isso'. Porque 'a mulher pode abortar sem causa nenhuma –- não há período reflexão nenhum nem aconselhamento nenhum --, para uma lei de liberalização nestes termos sou NÃO'.

E portanto, diz o professor Marcelo, que ninguém sabe onde foi buscar esta ideia de 'não haver período de reflexão nenhum nem aconselhamento nenhum' – vai-se a ver o professor Marcelo queria um boletim de voto com umas cinco páginas e uns trinta artigos a especificar as exactas condições em que se poderia interromper a gravidez, o número de dias de reflexão, a composição dos gabinetes de aconselhamento, etc -- 'é muito claro: eu até sou SIM à despenalização mas sou contra uma lei que vai mais longe que a despenalização, que é permitir uma livre escolha sem justificação nenhuma. Um estado de alma permite à mulher abortar. Porque lhe apeteceu, põe em causa uma vida humana'.
E acrescenta que 'os progressistas espanhóis, que legalizaram o casamento dos homossexuais, não fizeram isto, têm uma lei como a nossa actual e não quiseram mudá-la'.

Ainda bem que o professor Marcelo é tão claro. Eu, por exemplo, que nem sou professora nem formada em leis e tenho as minhas muitas e muito óbvias limitações, fiquei a perceber que o professor Marcelo acha que interromper uma gravidez até às 10 semanas deve continuar a ser crime porque a pergunta permite que a mulher escolha. Já interromper uma gravidez até aos 8 meses, desde que não fosse a mulher a escolher, não seria crime.

Ou seja: interromper até às 10 semanas por decisão ('estado de alma, apetecimento', como diz o professor) da mulher não pode ser porque põe em causa uma vida humana. Perseguição penal e pena de prisão com ela (e não venham com a conversa de que elas não vão presas. Não vão presas porque a pena foi nos últimos anos suspensa, mas a sentença ninguém lhes tira). Já aos 8 meses de gravidez, desde que interromper seja por decisão de outrem (o professor Marcelo não explicou de quem, mas isso agora não interessa nada), não põe em causa uma vida humana. Ou melhor, põe, mas não faz mal. Deve ter sido por uma boa causa, sem estados de alma, porque não foi uma mulher a escolher.

Claro que o professor Marcelo não se deu ao trabalho de explicar o que é que ele acha que são razões e motivos atendíveis, que não estejam já na lei em vigor, para se interromper uma gravidez, como ele diz, aos 8 meses (altura em que, como toda ou quase toda a gente sabe e presume-se que o professor Marcelo também deve saber, já se fala de bebé e não de feto e há quase generalizada viabilidade). E claro que também não interessa nada em que condições se faz uma interrupção de gravidez: nunca houve mulheres a morrer disso, como se sabe (invenções da malta fracturante) nem a ficar estéreis ou a passar uma temporada nos hospitais por complicações abortivas. Nada disso. Além de que, se morreram ou ficaram com problemas de saúde, é bem feita, não fossem abortar por 'estados de alma' ou porque, de repente, lhes 'apeteceu' dar cabo de uma vida humana.

O professor Marcelo tem de facto um NÃO extremamente (como diria o maradona) especial. Extremamente. Um NÃO em que a vida humana – a tal vida humana às 10 semanas -- só é um valor a preservar se estiver em causa a decisão da pessoa que é suposta tê-la dentro de si durante nove meses, amá-la e cuidá-la. É de facto um NÃO extremamente claro, e estou muito agradecida ao professor Marcelo por esta clarificação, que é tão tão claramente clara naquilo que recusa.

Simplificando, o professor Marcelo criou um slogan que é o inverso, o espelho do tão odiado 'na minha barriga mando eu': 'na barriga da mulher só não pode mandar ela'.

O professor Marcelo não confia nas mulheres portuguesas. Vidas humanas nas mãos -- nas decisões -- delas, nem pensar. É por isso que o professor Marcelo vota NÃO. É um 'NÃO, não confio nas mulheres'.

Ainda bem que o professor Marcelo explica as coisas tão bem explicadas. É que há gente que vota NÃO que se calhar ainda não tinha percebido porquê -- agora ficou a saber.

Ah, é verdade -- mas isso agora também não interessa nada -- os tais 'progressistas espanhóis' querem mesmo mudar a lei e propuseram-no no programa eleitoral. Mudar a lei para algo parecido com o que o referendo propõe, e precisamente porque consideram que a decisão deve pertencer à mulher. Mas para quê informar-se alguém antes de perorar na TV perante uns milhões de portugueses quando pode inventar o que lhe vier à cabeça enquanto fala?

(e não, a foto de pernas para o ar não foi engano)

A intolerância e o despontar do jovem turco

Também eu assisti ontem ao colóquio organizado pelo PSD, no CCB em Lisboa, sobre a interrupção voluntária da gravidez. Se Marques Mendes pretendia um dia de reflexão equilibrada, a coisa deu para o torto: a maioria dos oradores era pelo "Não" e, embora a sala estivesse pouco composta, o clima não era propício à reflexão distendida. Não foi só Maria de Belém Roseira que se sentiu a jogar fora de casa, num daqueles campos em que não há uma rede a separar a assistência dos jogadores. Também o obstetra Miguel Oliveira da Silva foi vaiado, quer quando se assumiu como católico ("Mau católico"), quer quando falou sobre a interrupção da gravidez como médico ("Abaixo os assassinos").

Mas o momento mais surpreendente foi quando, antes da chegada de Marcelo, falou um tal Tiago Duarte, apresentado como doutorado pela Universidade Nova. A parte mais original da sua intervenção, feita num estilo comicieiro, verificou-se quando esta jovem estrela do "Não" propôs a criação de um alto-comissário para a defesa da vida. Na assistência, perto de mim, um militante social-democrata com mais 20 anos de militância do que o conferencista, disse, entre dentes, qualquer coisa como isto: " Se esse lugar for criado, não é para ti. Eu ando nisto há muito mais tempo…" A seu lado, um jovem, que tinha tratado com reverência Tiago Duarte, esboçou um sorriso. Foi o que eu retive desta acção de campanha organizada por Laurinda Alves.

É pelo "Não" porque quer o "Sim"

O Dr. Marques Mendes elucidou o país sobre os fundamentos do seu "Não" previamente anunciado. Pondo lado analogias forçadas e comicieiras com a « corrupção» e o «tráfico de droga », o texto é, essencialmente, um acervo de argumentos repassados, sempre a oscilar entre o previsível e o redundante. Mendes defende que « É hoje inquestionável que o feto é membro da espécie humana ...», donde a IVG constituirá «... um acto arbitrário e injustificado que destrói um ser humano». Em seguida, Mendes avança com o tão usado e abusado art. 24.º da CRP. E, fulminante, sentencia « O mal combate-se. Não se legaliza ». Nesta altura, o leitor que conseguir resistir ao bocejo, concluirá que Marques Mendes faz equivaler o acto de interromper uma gravidez por vontade da mulher ao homicídio - puro e simples. Que, dada a sua repugnância declarada pelo « mal», até defenderá uma moldura penal semelhante a este. Ou, se tal não for possível, Mendes pugnará pela aplicação implacável da pena de prisão até 3 anos actualmente vigente e que assim permanecerá se o seu voto vencer.
Mas não. Naquela cabriola intelectual a que tantos militantes do "Não" já nos habituaram,
o ainda presidente do PSD garante que «...
não sou favorável à pena de prisão para a mulher que decide abortar, seja antes ou depois das 10 semanas de gravide z». E, pontapeando alegremente qualquer vestígio de coerência no seu raciocínio, afirma que sustenta o seu "Não" precisamente na « incongruência» que será a possibilidade da mulher poder vir a sofrer « pena de prisão» se fizer a IVG depois das 10 semanas. Ou seja, Mendes vota pela imutabilidade da actual legislação mas está contra aquilo que esta dispõe. É pelo "Não" que criminaliza as mulheres que optarem pela IVG mas declara-se desfavorável a qualquer resultado penal decorrente da sua atitude. No fundo, Marques Mendes vota "Não" porque quer as consequências do "Sim".
O paradoxo,
apesar de corriqueiro nesta campanha, merece alguma atenção.
Este modo de estar no mundo integra o tipo normativo de muitos políticos portugueses do "centrão". Normalmente, são avessos a tomar posições susceptíveis de não agradar ao mainstream. Mas, nas poucas ocasiões em que o fazem, logo revelam o reflexo pavloviano de açucarar qualquer efeito que possa parecer mais azedo para uma faixa alargada de possíveis eleitores.
Ele, Mendes, afinal, é pelo "Não" mas com os resultados práticos do "Sim". Também por isso, para conseguir que mulher alguma possa voltar a ser perseguida pela justiça deste país caso opte realizar a IVG, é muito mais seguro votar "Sim".
P.S. Já depois de ter escrito esta posta tive a oportunidade de ouvir a prelecção dominical do Professor Marcelo. Os argumentos a favor do "Não" são ainda mais dissimulados que os de Marques Mendes (" admitiria votar "Sim" à IVG ao sexto, sétimo, ao oitavo mês, desde que a mulher não fosse para a cadeia"), embora expostos em forma mais elegante. O que aqui disse para o actual presidente do PSD vale também para o ex..

Das duas, duas

RTP-N: uma peça sobre o Não, seguida de uma peça sobre o Sim. Só que esta acaba com um comentário da "âncora" de tal modo complicado (num jogo de palavras - "interpretando" o movimento do Sim - sobre como o voto afirmativo é um "não" ao aborto ou algo do género) que a única mensagem passada ao espectador é que toda a gente é pelo Não. A coisa não pára aqui. Esta peça é seguida por uma sobre o supostamente crescente número de pessoas que querem fazer os partos em casa. Bebés, bué bebés, sem faltar a imagem de uma mulher olhando eternecida para uma ecografia ( em casa?!) - esse fenómeno do empreendedorismo médico nacional. A SIC-N repete a graça. Na continuação, aliás, do que já fez antes, quando a seguir às peças sobre o referendo transmitia uma sobre infertilidade, também ela coroada com eco-terrorismo, i.e., ecografia e olhares enternecidos e etc.

Das duas uma: ou o Não está tão bem articulado que cria estas notícias, fornecendo-as indirectamente às TVs, ou estas estão a tomar posição sobre o referendo, sem o assumirem editorialmente. Quer dizer: das duas uma ou... as duas.

(mais) Argumentos liberais pelo SIM

«Como assim? Se se criminaliza o aborto e se se envia as mulheres para a cadeia, o que está em causa não é uma qualquer censura moral do aborto, mas sim uma censura penal. E esta não pode advir apenas das convicções morais de metade da população, tem antes de resultar de um consenso alargado. Ao admitir-se que metade da população imponha o seu código moral a outra metade, estamos a fazer pouco da noção de liberdade e estamos a ser tudo menos liberais. A criminalização do aborto, nas condições actuais, é um atentado ao liberalismo
José Barros, comentando
esta posta do RAF.

Finalmente percebi














Afinal, a grande questão são as cegonhas e o facilitismo dos telemóveis.

Leitura imprópria para catastrofistas

Voto, convictamente, "sim" no referendo de 11 de Fevereiro. Se o "sim" vier, como espero, a ser maioritário, incumbindo o legislador parlamentar de legislar nessa conformidade, haverá ganhos do ponto de vista de racionalização da política criminal e de objectivos de saúde pública.
 A despenalização do aborto até às 10 semanas, por decisão pessoal da mulher grávida, não constitui, de modo algum, uma alínea de qualquer agenda política "fracturante". Em bom rigor, de um ponto de vista jurídico-penal, trata-se apenas de admitir uma nova causa de justificação em relação às já admitidas pela Lei 6/84, que construía o tipo de justificação na base do modelo das indicações (indicação terapêutica, ético-criminológica e eugénica) .
 De um ponto de vista dos critérios político-criminais, a grande mudança foi operada pela Lei 6/84, que rompeu com o modelo proibicionista consubstanciado ainda no Código Penal de 1982. (…)Os partidários do "não" consideram, tal como eu considero, uma monstruosidade castigar com pena de prisão uma mulher que recorre à interrupção voluntária da gravidez como remédio para uma situação de emergência ou de conflito. Admitem, por isso, uma renúncia à pena . É uma péssima solução, por duas ordens de razões: 1. os tipos de ilícito criminais não são florões de virtudes morais; visam, de acordo com um princípio de intervenção mínima ou de necessidade de pena, defender efectivamente bens jurídicos essenciais (…); mas, pior do que a originalidade de uma obrigação jurídica sem sanção, 2. tal solução constitui uma carta branca para o flagelo do aborto clandestino e as suas consequências para a saúde física e psíquica da mulher. (…) Se a reforma legislativa for viabilizada pelo referendo de 11 de Fevereiro, teremos em Portugal um quadro semelhante aos que vigoram, por exemplo, em França, Alemanha (desde 1992), Itália, Dinamarca, etc. - com a particularidade de, na generalidade destes países, o prazo ser de 12 semanas e não de 10 semanas, como é agora proposto à consulta popular. Como na maioria destes países, o ponto de partida da regulamentação legal é um tipo de justificação construído na base do modelo das indicações (entre nós, a Lei 6/84) e o reconhecimento da necessidade do alargamento do tipo de justificação, fazendo incluir nele a decisão da responsabilidade pessoal da mulher grávida até às 10 semanas.
 Uma pequena reforma, portanto. Mas de alcance significativo. Sobretudo, no combate ao flagelo do aborto clandestino. José Lamego, Professor da Faculdade de Direito de Lisboa, Público, hoje, sublinhados e cortes meus.

Leitura recomendada

Enquanto não respondo ao último post da Mafalda, o que certamente não terei tempo para fazer antes de anoitecer, venho-lhe propor, neste diálogo estimulante que temos travado, que leia o boletim da paróquia de Castelo de Vide.

Nesse boletim, que merecidamente foi divulgado pela televisão, o pároco não só sustenta que é proibido votar "Sim" no referendo como avisa que serão excomungados automaticamente todos os paroquianos que votarem "Sim". E para não ficarem dúvidas das consequências da excomunhão, vai avisando esses paroquianos de que não terão funeral católico e, portanto, irão direitinhos para o inferno. Gostaria de deixar algumas perguntas ao Sr. Pároco ou a quem quiser responder por ele:

    1. Uma vez que se pode pecar por actos e omissões, este regime também se aplica a quem não votar ou a quem se abstiver?
    2. Uma vez que se pode pecar por pensamentos, palavras e actos, também pode ser excomungado quem tenha pensado em votar "Sim" ou tenha dito que o ia fazer, mesmo que não o tenha feito?
Penso que o Sr. Pároco, para velar pelo seu rebanho, deveria esclarecer estes pontos quanto antes.

Mas falemos a sério. É claro que o pároco de Castelo de Vide, embora doutor em teologia, não percebe nada do que está a dizer. O pecado sancionado com a excomunhão "lata sentiatiae" aplica-se a quem atentar contra a vida e não a quem defender o perdão para quem atentar contra a vida. Percebeu, Sr. Padre?

De qualquer maneira, cara Mafalda, eis um bom exemplo da tal confusão que V. diz não existir entre religião e direito.

PS — Antes de responder ao seu último post, peço à Mafalda que releia o ponto 6 do meu, ao qual acrescentei três frases, que, por lapso, não tinha inserido.

The Arroja Horror Show

E quando os jornais noticiarem a morte de uma adolescente, durante um aborto, num hospital público, as coisas vão mesmo tornar-se feias. Pedro Arroja, 21.01.07 - 1:48 am (caixa de comentários)

Como tenho uma fé inabalável no indivíduo, vou postular que Pedro Arroja acordou muito cedo a 20.01.07 e estava cansado quando, já alta a noite, escreveu o comentário citado. Estou certo que após um noite bem dormida a tirada lhe parecerá absurda em absoluto e também muito estranha para quem nada diz sobre as possíveis complicações associadas ao aborto clandestino. Aliás, apesar de ser do conhecimento geral que o Prof. Arroja é uma pessoa que não deixa a originalidade por mãos alheias, pergunto-me se o seu agora surpreendente zelo com a imagem do Sistema Nacional de Saúde é compatível com a cartilha liberal que professa. Como vê, enquanto o Prof. se angustia com uma hipotética adolescente, eu preocupo-me consigo.

Pílula do Dia Seguinte: Miranda contra Miranda(I)

A Pílula do Dia Seguinte (PDS) é legal em Portugal, pode ser comprada em qualquer farmácia e diz-se ser não abortiva. A PDS distingue-se dos métodos abortivos tradicionais por duas razões: 1) Exerce a sua acção mais cedo, antes da nidação; 2) Actua sobre uma probabilidade e não um facto consumado, isto é, a mulher na verdade não sabe se engravidou, opta apenas por jogar pelo seguro. Ora, os adeptos do "Não" não podem, porque joga contra eles, discutir de forma séria a PDS. É por isso que quando a questão é colocada recorrem a manobras de diversão com jargão técnico ou tautologias. Aqueles que dizem que o feto é uma pessoa têm de explicar por que razão o ovo (resultante da fecundação) não é uma pessoa. O grande problema do "Não" é que o único salto abrupto do desenvolvimento humano ocorre no momento da fecundação. Todo o restante desenvolvimento é continuado, não sendo possível identificar fronteiras claras. Por isso a defesa da tese de que a PDS não é abortiva será sempre complicada. Repare-se que a particularidade de a PDS actuar sobre uma probabilidade não é atenuante. Se um comandante de navio desconfia que tem clandestinos a bordo e resolve lançar metade dos contentores ao mar sem os abrir, há apenas uma probabilidade de ser responsável por um afogamento mas o seu acto não deixa de ser moral e legalmente* condenável. O "Não", que se reclama coerente e moralmente superior, deveria estar neste momento também a fazer uma campanha cerrada contra a PDS. Não está. Porquê?

*NOTA DO NOSSO ASSESSOR JURÍDICO: o comandante é punido por homicídio consumado com dolo eventual, se no contentor houver passageiros. Se não houver passageiros, o comandante é punível por tentativa impossível de homicídio, porque não é manifesto que o contentor estivesse vazio (artigo 23.º, n. º 3, do Código Penal).

Efeitos perversos do ar do campo

...Uma análise mais atenta dos resultados mostra que o "sim" vence à vontade em Lisboa (59,7% contra 25,4) e no Sul (57,8 para 24,4), mas com pouca folga no Porto (43,4 para 40,9). E perde claramente no Centro (35,8 para 48,7 do "não") e no Norte (26,7 para 55,5 do "não"). Ou seja, há uma nítida bipolarização do país: as grandes cidades do litoral e os feudos do PCP votam "sim", o campo e o interior (ou o que resta deles) acima do Tejo votam "não" - com as ilhas, acrescente-se. Pedro Picoito, em prosa épica, como se os apoiantes do "Não" fossem o inexpugnável baluarte moral da nação.

A imagem, que era o que tinha mais à mão mas não destoa, mostra os resultados das últimas eleições presidenciais americanas (Democratas a azul, Republicanos a vermelho).

Usando a máscara da vida...

O blogue Pela Vida está linkado por todos os blogues do Não (incluindo este e em quase todos com bastante destaque. Lê-se e nada de especial. Muita vida. Depois, vai-se ver quem é aquela gente que transborda de amor ao próximo: este, este, este, este, este, este, este, este, este, este, este ou este. Mais do que as pessoas - o "sim" e o "não" não escolhem quem os apoia - o que espanta é o o conhecimento pormenorizado que parecem ter das acções de campanha e da agenda dos movimentos do "não", em que participam e de que dão testemunho diário: E muito mais é interessante é verificar como no blogue sobre o aborto a linguagem fica subitamente mais doce da que usam nos seus blogues. Não fossem os outros blogues que eles assinam…

O direito penal segundo a Mafalda

Venho mantendo uma conversa civilizada com a Mafalda. A jurista de serviço ao "Não" escreveu isto e eu respondi-lhe assim. Depois, fez uma nota na caixa de comentários do seu próprio post, que justificou um novo post da minha parte. Ontem, voltou à carga com um outro post, a que agora dou resposta. Procurarei, a partir de agora, não escrever sobre a interrupção da gravidez a não ser neste blogue (a menos que a Mafalda coloque questões muito "técnicas").