Terça-feira, Fevereiro 6

Terça-feira, Fevereiro 6

Déjà Vu

Dizia Assunção Cristas no Prós&Contras de ontem que «temos que ser pioneiros nalguma coisa», continuando o fado cantado por Katia Guerreiro na edição anterior de que «Portugal não tem que seguir a Europa em tudo».

Na realidade, Portugal não será pioneiro em nada, estaremos apenas acompanhando África, alguns países do Médio Oriente e a América Latina. Aliás, basta ver o que se passa no Panamá para constatarmos que a pretensão de pioneirismo é completamente oca:

«Uma comissão legislativa do Panamá desistiu de modificar a lei penal sobre o aborto, após os protestos da Igreja Católica e de grupos contrários às mudanças, que incluíam excepções ou reduções de pena para essa prática. (...)

Um grupo de católicos convocados pela Igreja Católica, e membros da Aliança panamenha pela Vida manifestou-se ontem, com palavras de ordem e cartazes, em frente à Assembleia Nacional, para exigir a eliminação de toda e qualquer excepção para a prática de abortos no Panamá, tanto no CP em vigor quanto na proposta de reformas.»

As imorais excepções que a lei do Panamá (e recentemente da Colômbia) permite e que os «defensores incondicionais» da vida (intra-uterina, claro) pretendem ver eliminadas são a interrupção consentida da gravidez em caso de violação, em caso de risco de vida para a mulher ou para o feto.

Ler mais...

Não = deixar tudo na mesma

O Não no referendo de dia 11 deixa tudo como está - como deixou desde que ganhou em 1998. A única forma de despenalizar uma mulher que faz um aborto até às 10 semanas de gravidez é votar SIM.

Uma campanha em que a lei não vale nada

Vigílias "pela Vida" marcadas para dia de reflexão.

… E o Bagão deve vir a caminho…

A médica e católica praticante (ou será o contrário?) Jerónima Teixeira fez estudos sobre a dor nos fetos. Se bem apanhei o que disse no Prós & Contras, parece que concluiu que sentem a partir das 20 semanas. Mas isso não dava jeito, porque o que está em causa no referendo é, única e exclusivamente, as situações de gravidez até às 10 semanas. Por isso, Jerónima Teixeira tem andado a calcorrear os jornais, apregoando que é sua convicção, embora sem quaisquer estudos que a sustentem, que a dor possa surgir mais cedo. Jerónima já fala, entre dentes, nas cinco semanas. Dr. Bagão, explique à senhora a sua teoria dos direitos dos " nascituros não concebidos"… que, bem esticadinha a coisa, também podem sentir.

O negócio

Depois da ideia peregrina de que havia mulheres que abortavam por uma "indisposição passageira", esta é a mais extraordinária revelação dos bas-fonds do aborto clandestino: "mulheres que abortam por negócio" na "fileira de utilização das matérias fetais"...

Desumanidade

«A desumana insensibilidade com que os adversários da despenalização convertem o direito à maternidade e à paternidade numa obrigação absoluta - incluindo em caso de gravidez indesejada ou, mesmo, insustentável, em termos afectivos, psicológicos, familiares, económicos, sociais, etc. - revela uma dose de intolerância e de incompreensão que só o dogmatismo e o fundamentalismo religioso ou moral podem justificar.»

Vital Moreira, Público, 06.02.2007

Boletim de Voto (actualizado)


(obrigada, Jonas)

A vida não é um feto de dez semanas

Um feto de dez semanas não é um filho, nem um bebé, não tem alma, nem consciência, não tem dentinhos, nem sentimentos em relação ao útero onde habita. Não passa de uma potência de vida cá fora, dessa esperança depositada pela família, os amigos e a sociedade que o espera para brincar, educar e amar no mundo dos créditos e carros que se estragam. Tem tanto de milagre como o poderia ter a fecundação noutras espécies vivas. Mas fora da mulher essas dez semanas não existem: não são. E este empenho da "Liga dos Amantes da Ecografia" em sacralizar o útero - em transformar a gravidez num acto místico - não reflecte mais que o desprezo pela mulher enquanto ser dependente das características fisionómicas que lhe vêm de bagagem. Uma mulher pode ficar grávida, mas não tem que, nem deve, só porque assim está escrito pela lei da ovulação. E muito menos ser penalizada, apontada pela lei penal e a natureza, quanto mais obrigada a levar até ao fim uma gravidez que não deseja, só porque uma gentalha que se sente ungida pelo Poder do Lado Certo da Força sabe, sente ou intui que dentro de um útero há uma vida sagrada, apesar de tudo. A gravidez não é excepcional, e se o é, pertence esta singularidade unicamente à mulher e ao seu entorno (marido, tubinho de ensaio, amante ou família) e não aos grupos Pro-Vida ou ao Bispo de Viseu.
E se o Não ganhar, estes demagogos chantagistas, bem podem estar descansados: nenhuma mulher deixará de abortar, com tudo o que isto representa social, fisicamente ou penalmente. Para uma mulher que não deseja um filho não há maior inferno que se ver a braços, sem ajudas ou amor, com um feto de nove meses. E de eles, do seu ódio, da sua hipocrisia, da sua altivez, da sua alta moralidade, ninguém voltará a ouvir. Nada farão pela vida, nem pelas Joanas mortas por pais alcoólicos, nem pelas mulheres que morrem num vão de escada, nem pelas meninas violadas nos centros de acolhida. Para eles, a vida só tem maiúsculas se tem dez semanas e pode ser mostrada em ecografias em blogues com moral muito mais alta que este.

A gente até quer ler mas assim é difícil

A investigadora que o Não levou ontem ao Prós e Contras declarou, segundo O Público de hoje, que as suas investigações sobre a dor no feto tinham sido publicadas na Lancet.

De 1995 até à data, todas as revistas do grupo Lancet ( The Lancet, Lancet Neurology, Lancet Oncology e Lancet Infectious Diseases) desconhecem o nome de Jerónima Teixeira, a tal investigadora. A pesquisa com as palavras Pain e Fetus conduz ao mesmo resultado. Talvez o Prof. Manuel Antunes tenha a bondade de fornecer a referência exacta.

Luís Januário

Adenda:
Mas o trabalho está , Luís. Nas Letters to the Editor e não no corpo principal de artigos, mas está lá. Aliás, é um objecto muito interessante. A Doutora Jerónima Teixeira e os seus distintos colegas (que a nossa Doutora olimpicamente ignora quando fala das suas pesquisas) só estudam fetos muito além das dez semanas – imagina, catorze fetos entre as 18 e as 36 semanas – mas isso não a inibe de se apresentar (ou deixar que o façam por ela, o que vai dar no mesmo) como autoridade científica sobre estádios de maturação neurológica de embriões. É preciso descaramento, diria a minha avozinha que reagia sempre com enorme severidade a trapalhadas deste género.

A mais recente obra do Não

está lá?

Agradeço o telefonema que recebi, pelas 12:10 de hoje, da Plataforma Não Obrigada, a convidar-me para a sua última acção de campanha. Uma curiosidade: onde arranjaram o meu número de telefone? Espero que nenhuma entidade tenha, sem minha autorização, facultado esse dado, em clara violação da lei.

Para acabar de vez com o assunto

Não sei se em alguma sondagem foi perguntado aos portugueses se queriam continuar a discutir a despenalização do aborto. Caso tivesse sido, arrisco dizer que uma esmagadora maioria tenderia a responder não. Tirando uma mão-cheia de activistas militantes de ambos os lados da barricada, a maior parte dos portugueses está cansada da discussão. É natural. Como qualquer pessoa que já tenha passado, directa ou indirectamente, pela situação sabe, o aborto toca dimensões complexas das nossas vidas e envolve decisões dramáticas e vividas com sofrimento. Que esse tema seja alvo de sistemática discussão pública só pode causar repulsa e servir para relembrar o sofrimento.

É também isso que está em causa no referendo de próximo Domingo, fazer com que o aborto deixe de ser tema de discussão política e seja devolvido ao seu lugar: a esfera privada e da responsabilidade individual. Entre outras garantias que oferece, a vitória do sim encerra o assunto e ultrapassa a situação actual.

A solução proposta de despenalizar a IVG até às dez semanas é moderada e, acima de tudo, numa postura própria de sociedades liberais, remete a decisão para a consciência individual. Pelo caminho, ajuda a pôr fim ao excepcionalismo português. Ninguém é obrigado a nada, mas todos passamos a ser livres de escolher, sem sermos alvo de juízos criminais ou sem termos sobre nós um espectro moral corporizado numa disposição do código penal. A questão a referendo visa saber se as mulheres devem ser criminalmente condenadas por praticar um aborto. Nada mais.
ler mais.

O "não" virtual e o "não" real

Texto de José Vítor Malheiros, hoje no Público (negritos meus):

Em geral, as pessoas votam de forma diferente para defender pontos de vista diferentes. É mais raro que pessoas votem de forma diferente usando os mesmos argumentos, como acontece tantas vezes no referendo do aborto. De facto, ambos os lados reivindicam a defesa da vida e da maternidade responsável - apesar de ambos divergirem em relação àquilo que se pode chamar "os direitos do embrião".Penso porém que existe uma confusão evidente entre desejo e realidade entre os votantes do "não". Penso que entre aquilo que os votantes do "não" sonham obter e o que seriam as consequências reais do seu voto caso obtivessem a maioria existe uma diferença radical que vale a pena discutir.

1. A primeira confusão é de fundo, é voluntária e tem sido explorada na propaganda. O "não" apresenta-se como se fosse o "não ao aborto" e como se os outros fossem seus apoiantes. Mas o referendo, como tem sido dito até à exaustão, é apenas sobre a despenalização e apenas em certas circunstâncias. Ninguém pretende uma promoção do aborto. É má-fé sugerir o contrário. Mesmo que o "não" ganhasse por cem por cento no dia 11 não haveria por isso um aborto a menos do que há hoje. O "não" no referendo não é um "não ao aborto".

2. A segunda confusão é sobre "a opção da mulher". Quem vota "não" vê esta "opção" como um sinal de leviandade, um capricho, e quer vincar que é contra o aborto por capricho, por irresponsabilidade, por dá-cá-aquela-palha, por desfastio ou por irreflexão. Mas votar "não" vai manter na clandestinidade as mulheres que não se encaixam nas condições legais admitidas hoje para o aborto. E a clandestinidade não permite avaliar a real vontade da mulher, as suas reais necessidades, não permite oferecer à mulher alternativas viáveis ao aborto. Votar "não" a esta "opção da mulher" é abrir a porta à arbitrariedade, ao aborto forçado, ao aborto contra a opção da mulher, por imposição do pai, por pressão do marido, por ameaça do amante.

3. A terceira confusão é sobre "as primeiras dez semanas". Quem diz "não" pode querer sublinhar o dever de defesa de uma entidade frágil e indefesa e pode sonhar que o consegue ou que, pelo menos, vai conseguir baixar o limite desta intervenção até um estádio em que o grau de desenvolvimento do embrião se revele menos problemático. Mas quem nega estas dez semanas está na prática a permitir o aborto clandestino sem limite, até estádios onde o feto é já viável.

4. A quarta confusão é sobre "o estabelecimento de saúde legalmente autorizado". Para os defensores do "não", a vitória do "sim" transformaria um "local de vida" num "local de morte" ou outro slogan semelhante. Todos preferimos promover a vida à morte. Mas, na realidade, o "não" ao aborto no hospital é o "sim" ao aborto em casa da vizinha, no vão de escada ou num estabelecimento de saúde sem condições médicas e sociais, sem consentimento informado e sem propor alternativas ao aborto. O "não" ao "estabelecimento de saúde legalmente autorizado" é o "sim" à agulha de tricot.

5. Se o "não" pusesse fim ao aborto, todos votaríamos "não". Mas o "não" não vai pôr fim ao aborto clandestino. O "sim" também não o conseguirá totalmente, mas é a estratégia que consegue salvar o máximo de vidas das mulheres e que poderá conseguir evitar mais abortos. Porquê? Porque é a estratégia que leva mais mulheres ao hospital e a única que obriga ao consentimento informado, permitindo que estas mulheres conheçam as alternativas e os apoios que existam. Uma consulta para aborto no hospital pode ser a oportunidade para propor a contracepção a mulheres que não a utilizavam, pode permitir explicar que é possível levar a gravidez a termo e entregar um bebé para adopção, pode ajudar as mulheres a escolher o que verdadeiramente querem, e a apoiá-las nessa escolha . Nada disso acontecerá no mundo do aborto clandestino, que o "não" perpetuaria.

Cientistas pelo SIM - Uma nova Arquimedes

Contribuição de Carlos Fiolhais

O segundo "show" televisivo dos prós e contras foi uma espécie de desforra oferecida aos "contras". Mas os "contras" bem se podem queixar de si próprios. Se na primeira mão tinha havido, entre vários outros, um golo metido na própria baliza por um "contra", na segunda oportunidade que a televisão lhes concedeu os auto-golos voltaram a repetir-se. Se há uma semana tinha aparecido um novo Galileu a anunciar, "urbi et orbi", que, afinal, o feto se mexe, desta vez apareceu uma nova Arquimedes a anunciar a todo o mundo que estava acordado àquela hora uma descoberta fenomenal que vem revolucionar a ciência médica: o feto tem dor nas primeiras dez semanas. Ora se é a proposição do novo Galileu está certa (errado é apenas julgar que é novidade), a da nova Arquimedes está errada (infelizmente, erros destes nem sequer são novidade).

A nova Arquimedes estava, anónima, na sua banheira de Londres, quando de repente gritou "Eureka!". E repetiu várias vezes a ver se a ouviam. Por decoro, não correu nua pelas ruas da cidade, mas houve apóstolos do "Não" que a trouxeram a correr de Londres para a ribalta do programa. No programa continuou a gritar "Eureka!": "Fui eu... Fui eu que descobri!". O "Eu" do "Eureka" é dela, o "eu" do "Eureka" é ela!

O auto-elogio repetido não foi apenas um mau serviço que prestou a si própria. Foi um mau serviço prestado à ciência, aos cientistas e à cultura científica. Não contribuiu para divulgar e credibilizar a ciência. De facto, a ciência não é arrogante: não fala dessa maneira autoritária na primeira pessoa. Além disso, os cientistas conhecem e respeitam a tradição histórica: Arquimedes deve estar a dar voltas no túmulo se souber que, passados tantos séculos, há quem tão toscamente o queira imitar. E a cultura científica serve, entre outros fins, para transmitir que o saber se obtém pela via do convencimento e do consenso e não pela gritaria na primeira pessoa de quem se julga detentor exclusivo da verdade.

A ciência não é a procura da verdade, mas antes a procura do erro. Errar é humano e a ciência é a busca também humana do erro. A primeira condição para se ser cientista é estar pronto a admitir o erro, que normalmente se apura através da avaliação dos pares: no caso, é fácil verificar que não há consenso nenhum na comunidade científica de que um feto nas primeiras dez semanas sinta dor (a mulher sim, essa sim está provado que sente!). A ciência é, portanto, um empreendimento colectivo. Mesmo que a descoberta tenha sido individual, o que hoje em dia é raro, quando os "peers" se pronunciam a ciência passa a falar no plural. A ciência não é de um, mas de todos. O "nós" deve substituir o "eu"!

A questão em debate no referendo – a despenalização das mulheres - não é científica. Não se destina a reconhecer ou a proclamar uma afirmação científica: se o feto é uma forma de vida (claro que é, embora não seja uma pessoa!) ou se o feto sente dor (claro que um óvulo fecundado não sente dor!). De resto, não faria qualquer sentido fazer avançar ciência por meio do voto secreto e universal. É, porém, uma questão, como muitas outras, que tem uma base científica. Em casos como este, a ciência deve apenas informar - e obviamente informar bem - deixando à consciência individual a formulação de juízos de valor. É por isso um verdadeiro tiro no pé quando um membro da comunidade científica, manipulado pela ideologia própria ou alheia, vem servir-se da ciência, para se servir a si própria ou então a si e ao seu grupo ideológico.

Ler mais...

Argumentos à Primeira Vista

Nos últimos 3 dias, em cerca de 30 posts o blogue do não mostrou 6 imagens de embriões. Nas suas primeiras 3 semanas, em centenas de posts, não mostrou uma única. Não estão a pisar o risco, os embriões não têm (creio) mais de 10 semanas e é bom que se saiba como se parecem. Mas sem pretender colar esta prática à propaganda abjecta que mostra fetos ensanguentados muito para lá dos 3 meses, o recurso sistemático à imagem é sintoma de quem não tem argumentos. E como se não bastasse, a selecção das imagens acusa um brando eugenismo, porventura inconsciente.

O "Não" ganha votos pelos sentidos, porque reconhecemos na imagem características morfológicas inegavelmente humanas, apesar de um embrião não ter actividade cerebral superior, não sentir dor, não reagir a estímulos, não ser capaz de uma existência autónoma. A tentação para a pedomorfização do embrião, isto é, para o tratar como um bebé ou uma criança é então explorada pelo "Não", num duplo abuso de linguagem de "puerilização do embrião e de maternalização da mulher grávida". A imagem joga aqui um papel crucial e a tal prova inequívoca da humanidade do embrião que o "Não" diz ter sido trazida pela ciência, não é nem inequívoca (apenas uma imagem que nada acrescenta de substancial), nem científica (o que remeteria para um qualquer paradigma), apenas tecnológica (as modernas técnicas de imaging).

Mas há pior. O "Não", na insuspeita candura com que mostra embriões para ilustrar os seus hossanas à vida, está na verdade a fazer um exercício camuflado de eugenismo. O "Não" não mostra embriões imperfeitos e assim se trai. Porque o "Não" pode até querer proteger todas as vidas, mas para efeitos de propaganda só se lembra das vidas perfeitas. É caso para lembrar que não suja as mãos apenas quem cobra bilhete à porta da feira de monstruosidades. E este reparo é relevante, pois o estatuto presente do embrião permite que apliquemos critérios eugénicos de selecção. A tal criança que habita o ventre materno não é protegida pelos mesmos direitos da criança que brinca no parque. Se isto tem aceitação pacífica (e poucos o negarão), o melhor é não lhe chamar "criança" e um pouco mais de pudor não ficaria nada mal da próxima vez que o "Não" pensar um novo cartaz.

Há um profundo equívoco no gesto do "Não", que de resto se enquadra nos esquemas clássicos de apropriação indevida de símbolos; estou a lembrar-me de como os republicanos neste país (escrevo dos EUA) tomaram conta da bandeira americana. O "Não" pensa que está a proteger aqueles embriões de dez semanas, mas uma análise serena permitiria dizer que o "Sim" tem idêntico objectivo. O "Não" quer protegê-los defendendo um determinado princípio, o "Sim" pretende chegar lá chegar retirando a IVG da clandestinidade e aumentando o aconselhamento, o que se pode traduzir numa diminuição efectiva do números de abortos e/ou em interrupções voluntárias de gravidez mais precoces. Ou seja, se alguém olhar com olhos de ver para os cartazes no "Não", apercebe-se que não têm uma real orientação de voto. Não são argumentos, ou serão talvez argumentos à primeira vista. Eu sei que um voto é um voto, mas aqueles cartazes só ganham maus votos. Sejamos claros: a única mensagem que as imagens dos embriões trazem é a da importância da matéria em discussão. Nada mais.

Ler mais...

Com o devido respeito por uns,

e necessário desrespeito por outros (ainda assim muito menos do que, com franqueza, estava à espera antes do inicio desta campanha)...


... gostaria de reafirmar aqui uma posição que julgo não maioritária (digamos assim), pelo menos a julgar pela posição subalterna que manifestamente ocupou no debate de ontem: a razão que me leva a querer descriminalizar (ou despenalizar) o aborto tem única e exclusivamente a ver com a óbvia impossibilidade de realizar esse acto médico num estabelecimento autorizado e recorrendo a técnicos qualificados sem a descriminalização (ou despenalização) desse acto. Não é ao contrário, como, por exemplo, fica claro ser o raciocinio dominante neste post. Quem argumenta como o eduardo está, muito claramente, preocupado com a pintura e restantes acabamentos exteriores da Civilização (que é, aliás, uma sub-tese de Pedro Arroja, que acha que, independentemente das consequências práticas da sua ingnorância e inobservância pela sociedade, o importante numa lei é ela existir). Acontece que uma parte significativa da Civilização - significativa ao ponto de ninguém ter dificuldades em fazer um abortozinho à revelia da hipotética sociedade onde o eduardo gostaria de continuar a viver - não partilha desses valores. Por razões que conheço e desconheço, e que me recuso a discutir, há, primeiro, quem opte pelo aborto, segundo, não há quem consiga parar a continuada e generalizada condução desse procedimento. É por isso que quero descriminalizar (ou despenelizar). Se isto fosse matemática, reduzia a questão ao absurdo, e dizia que, sim senhora, criminalize-se o acto do aborto logo a partir da masturbação e da largada do óvulo nas trompas de falópio, assegurado que estivesse que toda a gente que, mesmo assim, optasse por tal solução, o fizesse num departamento hospitalar e na presença de um médico. Felizmente isto ainda não é o 1984.

Em todo o caso, e como muito bem assinalou José Mário Silva, o Professor Doutor Rui Pereira é o meu heroi, e ontem só me apetecia beijar aqueles lábios carnudos.

Ler mais...

O Estado moral

«A descriminalização do aborto é, na substância, uma polémica sobre as relações entre a moral e as leis penais. Basta perceber o fundo de muitos argumentos do "não": o Estado, dizem, tem forçosamente, através do Código Penal, de sancionar uma conduta individual reprovável no plano moral. (...)

A decisão de criminalizar uma conduta pessoal não pode estar dependente de apreciações ou concepções morais, e (...) não compete ao Estado tomar partido, com as leis penais, em matérias que geram uma elevada controvérsia social .

Para o "não", há um princípio moral indiscutível que implica a existência de um crime. Os defensores do "não" nunca se afastam dessa instrumentalização do Código Penal. (...)

O "não" acusa o "sim" de querer uma lei que conduz a um Estado amoral. Estranho não lhes ocorrer que uma lei que permite o aborto por opção da mulher só até às dez semanas, num estabelecimento de saúde legalmente autorizado, mediante prévia consulta médica, está muito longe de ser uma lei amoral ou destituída de preocupações morais

Pedro Lomba, A moral do estado, no DN, 6-02-2007

Ler mais...

Frases da Noite: coisas óbvias

"O que o Não agora propõe é uma liberalização na clandestinidade e não oferece nenhum apoio às mulheres." Marta Rebelo

"O Sim quer dizer Sim, o Não quer dizer Não. Não há interpretação posterior. Se o Sim ganhar, o Estado tem que despenalizar. Se o Não ganhar, o Estado fica proibido de despenalizar, é anticonstitucional ." Daniel Oliveira

É triste ser obrigada a dizer o óbvio: quem está interessado em despenalizar as mulheres que abortam só tem que votar SIM no próximo domingo.

Outra maneira de dizer "sim"

Podem ver aqui os vídeos da campanha do Sim, incluindo os de todo o concerto do Jovens pelo Sim: Terrakota, Mário Laginha, Camané, Zé Pedro dos Xutos, Pacman dos Da Weasel, Vera Cruz, Cool Hipnoise, JP Simões, Micro Audio Waves, Vera Mantero e Pedro Pinto. Nenhum recebeu, como é evidente, um tostão. Assim ajudaram a campanha. Estas filmagens foram realizadas para transmitir em directo, o que aconteceu.

Deixo aqui dois vídeos. Em campanha ou fora dela, o melhor piano merece a melhor voz:



Ler mais...

Dos "orgulhosamente sós" aos "pioneiros": questões de terminologia

Assunção Cristas: "temos que ser pioneiros nalguma coisa." (Prós&Contras, pelo Não)

Cara doutora Cristas, permita que a corrija: se vamos manter uma lei que os outros mudaram não estamos a ser pioneiros. Estamos, quando muito, a ser singulares. Mas, sendo singulares, só o estamos a ser por apego a um passado que se tornou remoto para a demais Europa. Logo estamos do lado contrário dos pioneiros. Entendeu esta parte? Não tenho dúvidas que se o Não ganhar, como pretende, Portugal terá em breve a melhor indústria de aborto clandestino da Europa, algo de que certamente muito se orgulhará. Mas entenda, ainda assim não seria pioneira. Seria uma indústria singular.

Violências semânticas

Manuel Antunes, médico e professor catedrático dos Hospitais da Universidade de Coimbra, afirmou no Prós & Contras não concordar com o vocábulo "interrupção", quando se fala de IVG. Seja às dez ou às 24 semanas, para ele trata-se antes de "extermínio".

Mentiras no debate

O debate referendário mobilizou médicos. Infelizmente mais para confundir as pessoas que para as esclarecer. Alguns quiseram defender as suas crenças. Outros mentiram. A Dra Célia Neves, neonatologista, sabe que um aborto às oito, dez ou doze semanas não é nenhum acto cirúrgico nem necessita de "injecções no coração no feto". Admito a ignorância do Prof. Manuel Antunes sobre analgesia no lactente. Mas ele devia saber que nenhuma evidência disponível lhe permite supor, ou suspeitar, que um feto de 10 semanas tenha receptores, vias ou centros para a dor. É triste ver um cientista levantar um gráfico grosseiro de barras que as agências de marketing que coordenam a campanha penalista lhe puseram nas mãos. Mas mais triste é ouvi-lo falar da "criança e do filho". O professor é óptimo quando se preocupa com as crianças. Deixe lá os fetos em paz ou explique à dra. Célia como é que se espeta uma agulha no coração de um feto de dez semanas.

Luís Januário

Ó Não! Outra vez os sins do Não...

Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez desde que continue a haver aborto clandestino?

Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez desde que ela não seja voluntária?

Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez desde que a... penalização da mulher passe a ser feita perante toda a comunidade, por meio dum trabalho... voluntário?

Mas...

Neste momento, neste momento preciso...

Enquanto lá fora decorria mais um Prós e Contras...

Pif...

Esta rubrica do "sim do Não", que tinha começado há muitos posts atrás...

...pifou. Entrou em parafuso. Não consegue acompanhar o ritmo trepidante das evoluções do Não. O Não entrou num espaço-tempo político que o Sim deixou de conseguir acompanhar. Seria preciso um Einstein para isso, e nós aqui não somos Einstein. Boa viagem.

A palavra "não"

Por conseguinte, se bem entendo, neste momento os adeptos do Não defendem a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde não legalmente autorizado.

Só uma palavrinha nos separa, e ela é precisamente a palavra "não".

As coisas aquecem

Era de prever. Depois de uma primeira parte enfadonha e legalista, entram em cena as emoções e os golpes baixos.
Alguns exemplos:

- Vinda de Londres, com aura de testemunha-mistério, uma especialista em qualquer coisa que não percebi muito bem (o meu filho de quatro meses começou a chorar, desculpem lá) apresenta um daqueles argumentos-choque de efeito garantido: afinal, segundo estudos a que teve acesso, embora mais uma vez me tenha escapado qual a base científica desses estudos, o "bebé" (sic) sentiria dor antes das dez semanas. Escusado será dizer que alguém capaz de usar a palavra "bebé" neste contexto não tem, para mim, qualquer credibilidade.

- Nuno Lobo Antunes, neuropediatra de renome, usou a metáfora mais infeliz da noite: "O poder está todo do lado da mãe. Se quiser, ela pode dizer ao filho: tu és o elo mais fraco, adeus."

- António Pinto Leite insinuou que desde 1998 só as pessoas que votaram Não no anterior referendo é que fizeram "alguma coisa" pelas mulheres em vias de abortar, esquecendo ostensivamente o papel que, por exemplo, a APF tem tido a montante do problema (onde ele efectivamente pode ser prevenido).

E houve mais, houve mais.
Os representantes do Sim responderam às muitas atoardas com uma calma olímpica, o que me parece ser neste momento a melhor estratégia.

Nota da redacção (chamemos-lhe assim): os nossos Marta Rebelo e Daniel Oliveira estiveram muito bem, recordando o que está verdadeiramente em causa no referendo (Marta) e a óbvia inconstitucionalidade de uma "descriminalização a posteriori" (Daniel).