Apelo ao absentista

Apelo ao absentista

A ti, que estás farto/a desta batalha campal de argumentos, acusações e emoções;
a ti, que achas que este debate não te toca a ti;
a ti, que te ofende o despudor de um assunto íntimo tratado na praça pública;
a ti, que achas que nem sim nem não;
a ti, que ainda estás indeciso/a;
pensa que nesta votação não há meios termos, só há duas opções;
pensa que tens a oportunidade (rara) de participar numa decisão colectiva;
pensa que desta vez não estás a votar naqueles que hão-de decidir (esses não quiseram ou não puderam), mas és tu que vais decidir com o teu voto directo;
não queiras ficar de fora, ou terás depois de carregar o peso da tua indecisão;
pensa que podes contribuir directamente para mudar uma lei iníqua e para poupar sofrimento a muitas mulheres;
pensa que podes ajudar pessoas que estão próximas de ti;
ainda estás tempo de escolher uma sociedade mais justa;
o teu voto conta,
vota SIM.

Coisas Simples

Coisas Simples

Já andava meio frustrado por não deparar com um dos argumentos da vox pop "Não", mas eis que sobre o apito final o descubro no sempre útil Blogue do Não. O argumento é mais ou menos assim:não conheço nenhuma mulher arrependida de não ter abortado. Eu, sinceramente, também não. O problema é que partimos de uma afirmação falaciosa, que só teria valor se o aborto não existisse como opção. Este reparo faz alguma confusão ao "Não", porque para eles a proibição do aborto tem profundas implicações psicológicas, isto é, o "Não" raciocina como se a proibição erradicasse o aborto. Sucede que o aborto existe e, existindo, não podemos excluir que a razão de não se conhecer nenhuma mulher arrependida de ter continuado a gravidez seja justamente a opção do aborto, que evitou o aparecimento de mulheres frustradas por não terem abortado. Sim?

Esclarecido o absurdo da afirmação, podemos ainda atacar - mas agora já só por desporto - as suas bases empíricas. Eu não conheço nenhuma mulher arrependida de não ter abortado e o Pedro Geada também não. É esta a evidência. A nós juntam-se alguns leitores - " tem graça, eu também não". Muito bem. Uma dúvida: em que circunstâncias esperaríamos conhecer uma não-abortista frustrada? Será manipulação admitir que talvez haja uma inibição natural em fazer tal desabafo? E será politicamente incorrecto sugerir que certos meios sociais onde porventura nem o Geada nem eu circulamos se prestam mais a esse tipo de cenários? É que de outra forma não se explica a existência de tantos estudos sobre crianças não desejadas (é só pesquisar na net). Encontrei até um trabalho que chega a conclusões interessantes, embora com demasiada engenharia social para a minha camioneta. O estudo parte de uma premissa: o número de crianças disponíveis para a adopção é um indicador do número de crianças não desejadas, pois estas tendem a ficar para adopção a bem (os pais entregam-nas) ou a mal (os assistentes sociais salvam-nas de famílias não-funcionais). Como o número de crianças disponíveis para adopção nos EUA diminuiu com a legalização do aborto, os autores concluem que diminuiu também o número de crianças não desejadas.

Por último, faz ainda sentido olhar pelo outro lado e perguntar o que sentem as mulheres que abortam e se se arrependem de o fazer. Na revista Psicologia Actual (10, Janeiro de 2007) vejo citado um artigo de revisão com os seguintes dados: numa amostra de 292 mulheres (EUA) estudadas duas semanas após a IVG, 76% sentiam-se contentes/felizes e apenas 17% se sentiam culpadas. Quanto a saber se têm um arroubo de consciência mais tardio e ficam com distúrbios psíquicos, a ser verdade e tendo em conta o número de mulheres que abortam, estaríamos na presença de um enorme problema de saúde pública; a revisão da literatura não vai nesse sentido.

Não tenho competência para rever esta literatura, limitei-me a citar exemplos de fontes reputadas com uma leviandade só vista em discussões sobre global warming. Sei que estamos à boca das urnas e saturados desta conversa, mas fica a conclusão algo pífia de que a vox pop diz muitas asneiras.

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