Segunda-feira, Janeiro 29

Segunda-feira, Janeiro 29

Desumanidades

Como é possível usar neste debate o argumento da natalidade? É tão pouco digno, tão desumano. Dizer-se que uma mulher tem que levar uma gravidez até ao fim porque há uma quebra na natalidade é apenas inqualificável. Serão estes os valores do não? Que as mulheres valem tão pouco, que se a taxa da natalidade baixar, devem ver a sua auto-determinação arrestada pelo Estado e serem obrigadas a ter um filho?

E isto é que é ser "moderno"...

Prova feita

Primeiro e singelo grande momento da noite: Vital Moreira pergunta a toda a plateia se alguém já denunciou (ou denunciaria) uma mulher por ter abortado (ao contrário do que faria em casos de homicídio, roubo, tráfico de droga). Interpelou directamente a plateia: alguém o fez? alguém o faria?

O silêncio absoluto teve um significado: QED.

Quem com Ferro mata

O Prós & Contras de hoje começa com dois textos de escritores sobre o aborto. O do "Não", de Rita Ferro, está muito abaixo do que eu poderia imaginar possível: a mulher que faz o aborto fá-lo porque não quer engordar, poupou para comprar um carro, é adúltera e o filho se calhar até é do amante. Um texto que junta a injúria ao insulto e à ofensa. Belo caminho para o campo do "Não", que acha que o que aqui está em causa é a futilidade e o capricho das mulheres. A ideia deve ser conquistar o voto misógino, só pode.

Voto sim. Pelo não à hipocrisia

Chego tarde a este blogue. Tenho pressa. Desde 1998 já passaram 8 anos. Antes disso, muitos mais.
Votarei SIM, porque acredito que se pode mudar uma situação que já há muito necessita ser mudada. Votarei SIM sem me perder em argumentos de feedback negativo. O resto pode ser mudado depois. Agora é preciso despenalizar a IVG, depois podemos discutir o que fazer com o planeamento familiar e mais importante ainda, o que fazer para que o sistema nacional de saúde possa dar suporte à nova lei.

Como chego tarde, não quero perder-me nas redundâncias do "voto SIM porque respeito as mulheres" (claro que respeito), "voto SIM porque a mulher é que tem que decidir" (óbvio que tem), que são também uma grande parte das minhas razões para votar SIM. Hoje venho dizer que voto SIM para negar a hipocrisia. A hipocrisia em que temos vivido, em Portugal, desde sempre, no que diz respeito ao aborto. Até as palavras "Interrupção Voluntária da Gravidez", são uma hipocrisia, um não vamos chamar as coisas pelos nomes porque parece mal. Cruzes Credo menina! Nunca diga que fez um aborto... Mas afinal, uma interrupção voluntária da gravidez é um ABORTO provocado. Os outros são abortos espontâneos. Mas é claro, ABORTO é negativo. É feio fazer ABORTOS. Em Portugal não faremos abortos, interromperemos voluntariamente a gravidez.

Aliás, em Portugal nunca se fizeram abortos. É ilegal. Não se fez e não se faz.

Ao fim e ao cabo, o problema do aborto em Portugal tem sido desde sempre, um problema social. No tempo das minhas avós quem tinha dinheiro pagava à melhor parteira de Lisboa para o fazer. No tempo da minha adolescência quem tinha dinheiro e apoio ia a Paris ou a Londres. Hoje, ainda é mais fácil. Dá-se um saltinho a Badajoz e já está. Mas para isso é preciso poder pagar-lo. Aquelas mulheres que não têm ou pais liberais (sendo menores) ou dinheiro, vão à jeitosa da esquina, com dinheiro emprestado dos amigos. Se a coisa corre bem, óptimo, se corre mal são atiradas de um carro à porta da urgências de um hospital, com as consequências médicas e legais que isso poderá ter. Não é suficiente a dor da decisão de ter que fazer um aborto?…

Já chega. É preciso criar condições para que as mulheres possam decidir se interrompem ou não a sua gravidez, sem medo, sem culpa, sem ter que arranjar desculpas que não as suas próprias razões, sem ter que pertencer à classe média/alta. Despenalizar o aborto, não é resolver todo este problema, mas é um começo. Por isso votarei SIM.

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Inconstitucionalissimamente

«O constitucionalista Jorge Miranda considera que a pergunta do referendo de 11 de Fevereiro visa a liberalização e não a despenalização do aborto, considerando que uma futura lei nesse sentido violará a Constituição

Só que o Tribunal Constitucional aprovou o termo "despenalização".

«Questionado sobre se, em caso de vitória do "sim", a legislação futura violará a Constituição, Jorge Miranda respondeu afirmativamente. "Entendo que sim", disse, lembrando que a Constituição refere, no seu artigo 24º, que "a vida humana é inviolável

Só que a Constituição não diz onde começa a vida humana.

«Para Jorge Miranda, se a intenção do legislador fosse a de despenalizar , "nem valeria a pena levar a questão a referendo", considerando que "na prática" já se verifica a despenalização, ao não existirem mulheres presas pela prática de aborto

Pois não, apenas devassadas na sua privacidade, humilhadas e condenadas.

«Admite-se que, numa sociedade plural, uma parte entenda que [o aborto] não deve ser criminalizado. Mas essa parte não pode impor à outra que considere que um mal, um ilícito seja liberalizado", argumentou

É o que se chama virar o bico ao prego.

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GP-Marcelo.jpgClaro que tem de ser a mulher a decidir.
Marcelo Rebelo de Sousa, quebra-voz do Ah! Sim!não?, RTP, ontem .

assim sim, professor

estranhei não ter visto o professor marcelo rebelo de sousa ontem na 'caminhada pelo NÃO'. ainda pensei que estivesse disfarçado, por timidez e discrição, no meio dos radiantes caminhantes que afrontavam o frio subitamente polar de lisboa enrolados em bebés recém-nascidos, mas quando as câmaras descobriram até paulo portas, com a longa testa em bronze manchado (suspeita-se de uma self-tanning lotion fora do prazo) e um casaco verde sujo esfiapado a dizer 'argentina', convenci-me de que o professor não estava lá.

ainda pensei que podia ser das companhias -- aqueles rapazes de cabeça rapada e ar de quem não conseguiu passar nos testes psicotécnicos para entrar nas milícias que vinham no fim da 'caminhada', com escolta de polícia e tudo, não fosse alguém mandar-lhes umas bolas de neve -- mas quando assisti às 'escolhas de marcelo', percebi: o professor não caminha pelo NÃO, corre pelo SIM. aliás, o professor sprinta. vai isolado, à frente, tipo lebre. a ver se puxa por nós -- e nós, parvos, a achar que ele era do NÃO.

não, NÃO. o professor marcelo está muito à frente.


o blogue dele, o assim não, foi mal interpretado por toda a gente desde o início -- incluindo por aqueles 'jovens', coitados, que lá andam ao completo engano a julgar que trabalham pelo NÃO enquanto dão argumentos ao SIM. e o pobre do professor, cabisbaixo, bem se lamenta que 'ao professor freitas do amaral ninguém chamou doido' (não é bem assim que recordo as coisas, mas adiante), e 'estou a levar pancada de todo o lado', e assim. é de facto triste. e injusto. e triste (já disse triste?).

vamos pois repor a verdade e a justiça: o professor marcelo é mais SIM que toda a gente aqui. o professor marcelo acha que 'obviamente tem de ser a mulher a decidir' -- obviamente pois completa mentira, falsidade, e aqui me penitencio, aquela coisa que escrevi sobre ele não confiar nas mulheres e querer que toda a gente decidisse menos elas.

depois, o professor marcelo acha que não se deve despenalizar até às 10 semanas só, mas em todos os casos e prazos. e não se trata de retirar 'apenas' a pena de prisão: trata-se de não haver penalização nenhuma, nem sequer, frisa ele, 'trabalho a favor da comunidade'. nada.

o professor marcelo quer que a lei funcione como em espanha. como em espanha, sabe-se, as mulheres abortam a pedido até às 12 semanas (pelo menos), falando com um médico que atesta, instantaneamente, que elas, por quererem abortar, têm problemas psíquicos por estarem grávidas, o professor marcelo quer aborto a pedido da mulher, com decisão da mulher, até às 12 semanas. o que acontece a partir das 12 semanas, depreende-se, é o mesmo, já que não há penalização e o professor não falou em penalizar quem faça o aborto à mulher a partir desse prazo.

a única coisa que o professor marcelo quer é que haja uma conversa com a mulher antes, um 'aconselhamento'. e está muito chateado por isso não ter sido falado, acha que devia estar na lei que foi aprovada no parlamento. eu, que não sou jurista nem percebo nada destas coisas, ia jurar que esse tipo de coisas é matéria de regulamentação -- como de resto sucedeu com a lei em vigor, cuja regulamentação, aprovada em 1997 ou 1998, especifica que haja nos hospitais onde se efectue diagnóstico pré-natal uma comissão de apreciação das interrupções de gravidez por causa fetal.

aliás, já que a interrupção da gravidez não punível é matéria do código penal dificilmente estou a imaginar lá uma alínea sobre gabinetes de aconselhamento, mas enfim, sou eu que não percebo nada de leis.

mas isso agora não interessa nada. o que interessa é fazer justiça ao professor marcelo. é pedir perdão ao professor marcelo por qualquer coisinha. é acolher o professor marcelo nas nossas fileiras com uma ovação estremecida. bem vindo, professor. e, para a próxima, mande um telegrama, uma sms, qualquer coisa, aí da frente. avise. a gente não adivinha.

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A verdade vem de Espanha

Num encontro de eurodeputadas, que reuniu políticos de todos os matizes, desde Assunção Esteves (do PSD) a Ilda Figueiredo (do PCP), uma eurodeputada espanhola revelou uma verdade surpreendente. Na Espanha, tem subido a natalidade e o aborto ao mesmo tempo. Perante a surpresa dos presentes, adiantou a explicação com alguma timidez: estando as fronteiras espanholas abertas, há mulheres de outros países (sobretudo Portugal, entenda-se) que rumam à Espanha para praticar o aborto. Compreendem?

Maria Belo: porque voto SIM

Maria Belo.jpContributo de Maria Belo
para o blogue Sim no Referendo.

Ao contrário dos animais, nascemos todos prematuros. Sem o sistema nervoso central terminado, com a moleirinha aberta…, e o que isto quer dizer é que não nascemos organizados, não temos instintos, comportamentos predeterminados para cada ocasião; que vamos ter de aprender tudo, mesmo tudo. Por isso existem as culturas no sentido antropológico do termo, o tesouro de uma língua e costumes que nos é transmitido e nos faz adultos desta ou daquela cultura. (Claro que hoje desse ponto de vista o mundo está em mudança acelerada, vamos a ver como saímos dessa…).

A geração de psicanalistas que se seguiu a Freud interessou-se especialmente em perceber como de um bebé se faz um adulto. E um deles, um inglês, chamou "loucura materna" à disposição da maioria das mães para, ao olhar para o recém-nascido, ser capaz de lhe supor um sujeito, de lhe falar como tal, de o projectar no futuro e de dizer com toda a segurança que é o bebé mais bonito do mundo porque ela o vê como mais ninguém o vê. E é por essa "loucura" que nos recebe, que crescemos e nos fazemos realmente sujeitos.


É isso que quer dizer uma criança ser desejada. (É muito diferente de ser disputada, embora se possa acumular as duas disposições). É haver na mãe a disposição de olhar o seu bebé e de lhe falar para além de toda a lógica, de ver nele "His Majesty, the baby" como lhe chamava Freud, de verdadeiramente o trazer ao mundo e levar o mundo inteiro até ele. Quem não viu e ouviu uma mãe contar ao seu bébé de dois meses as chatices que teve nesse dia ou a boa surpresa que alguém lhe fez? Apresentar-lhe com grandes explicações os seus amigos que a vieram visitar na maternidade? E por aí fora. Todos temos experiência de assistir a situações dessas.

Em geral por razões da sua própria história que não tem a ver com estatutos sócio-económicos, nem todas as mães conseguem fazer isso, pelo menos de início. Precisam de um esforço para "adoptar" o seu bebé. Mas em geral mesmo essas, ou mesmo aquelas que sentem uma funda tristeza após o parto, conseguem depois transmitir vida e desejo ao seu filho. Ou alguém por elas, ou alguém ajuda. Embora também hajam crianças que nunca verão esse olhar na altura em que ele é mais necessário e definitivo.

Quero com isto dizer que decidir ter ou não um filho é uma decisão que tem sempre de ser tomada. Com alegria, com esperança, embora sempre com uma pontinha de angústia, de sobressalto. Mas por vezes, sobretudo nas mulheres mais conscientes e em certas situações é uma das decisões mais difíceis de ser tomada. Porque tem de ser tomada rapidamente. Porque implica a vida da mãe, a sua disponibilidade para receber "o bebé mais lindo do mundo", porque para a maioria é uma decisão de dois que têm de se conjugar e sobretudo porque implica a vida, a qualidade de vida do bebé que vai nascer.

É porque a minha profissão serve para levar quem me procura a fazer das suas escolhas actos e não a viver a vida de outros, que voto sim. Trazer um filho ao mundo é dos mais importantes actos que uma mãe e um pai podem fazer.

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Presas, disse ele

Gentil Martins, ontem, em pleno Jornal Nacional da TVI, reiterou: os tribunais têm sido excessivamente condescendentes e seria justo que algumas mulheres tivessem sido presas por aborto. A impressão de frivolidade que nos fica da afirmação de Gentil Martins conhece um possível atenuante. É que sem florais manhas ou patéticas acrobacias GM defende a lei que existe de um modo coerente, sincero e consequente.

a voz clara do Não

O Jorge Ferreira é um homem frontal. O Jorge Ferreira fala claro. O Jorge Ferreira discorda do Professor Marcelo. O Jorge Ferreira diz o que pensa. O Jorge Ferreira diz o que muitos verdadeiramente pensam. O Jorge Ferreira disse "eu já aqui defendi uma vez que se o Não perder desta vez, os defensores do Não têm a obrigação de continuar a lutar pela realização de novo referendo para resolver o problema...Para um defensor do Não, resolver, se o Sim ganhar e criar o problema da violação da vida humana, é repenalizar."

Coisas Simples*

O argumento de autoridade nada vale, mas ver tão distintas autoridades pelo mesmo argumento alguma coisa valerá.

*Adenda entre Vascos.

Vasco a Vasco

Vasco,
Volto a insistir.

Assim não vão lá

moon-movie.jpgFoi, de facto, uma jogada de mestre dos defensores do sim terem posto o ministério público a levantar processos-crime depois do Não ter saído vencedor do referendo de 98. Com toda o circo que isso criou, escutas telefónicas, detenções em directo, julgamentos cheios, servindo o intuito claro de chocar a opinião pública que, evidentemente, ficou chocada por se criminalizar um costume que não era criminalizado Andreia Neves

A Cabala começa a fazer escola. São boas notícias para a cultura portuguesa. Segundo fontes de São Bento, Andreia Neves está na short list para as comendas do 10 de Junho. E quem lhe nega o mérito? Neves impõe-se como a última grande esperança da cabala made in Portugal, por ser capaz de levar o cepticismo até às últimas consequências, num notável esforço de entrega e desprezo pela imagem própria, o que é, como sabem, a marca de água do verdadeiro artista. Portugal aproxima-se pois a passos largos da auto-suficiência em teorias conspirativas, depois de anos de total passividade, em que nos limitámos a aprender com os EUA que o homem, afinal, não foi à lua, que o 11 de Setembro, afinal, foi arquitectado pelos americanos, que os judeus controlam Nova Iorque, o Senado, os EUA e o mundo em geral, que Jim Morrison está vivo e se calhar até anda em digressão com Elvis, ao passo que John F. Kennedy teve o destino inverso mas nem por isso deixou de mostrar total disponibilidade para ser morto várias vezes, a fim dar oportunidade a todos os suspeitos.

Finalmente, o Professor traduzido!

das formas públicas do aborto

A ler. A toalha de linóleo. Brevíssimo comentário. Mas eles (provavelmente) não sabem o que fazem . É da gramática do aborto. O Miguel, uns quantos posts atrás, alertava que "o Não conseguiu marcar as regras da linguagem no debate público." Não será exactamente isso. Elas já lá estavam, maduras. Bastou ao Não colhê-las, sem esforço. Como desmontá-las? Neste ponto, o humor seguramente marca mais pontos mais que a denúncia (indignada) facilmente remível a acusação gratuita. Torce o nariz, caro leitor? Fique-se já já a seguir com o Gato cá de casa e depois diga coisas.